Em 2013, dois diretores suíços (Peter Guyer e Thomas Burkhalter) estavam em Gana pesquisando para um projeto mulimídia que se propunha a buscar tendências e novidades da música global. Lá, se surpreenderam ao ver dois homens andando pelas ruas pedindo dinheiro para os americanos.
Eram ninguém mais, ninguém menos, que dois dos que viriam a se tornar protagonistas do filme em questão: Wanlov the Kubolor e M3NSA, ou FOKN Boys.
Essa cena simples, parte do que pode se chamar de prólogo do filme, já vai dar o tom de ironia, criatividade, crítica social e “visionarismo” que permeará todo o documentário.
Em uma linha simples, “Contrapor” investiga a cena do hip hop em Gana, na África.
Ao fazê-lo e concentrando-se em um grupo de músicos e poetas inventivos, sagazes e amorosos, o filme chama atenção pra incongruências sócio-culturais e políticas do país.
A estrutura narrativa é um pouco errática, fora dos padrões do modelo de documentário “talking heads” (nos quais as personagens conversam diretamente com a câmera). Há várias inserções de ambientes, personagens e temporalidades que surgem, sem maiores explicações, pra agregar sentido ao (vasto) universo crítico. O filme assume um fluxo dinâmico e pouco convencional que condiz com o espírito das personagens e seu universo poético-original.
Peter Guyer e Thomas Burkhalter acompanham seus processos criativos; conversas entre si ou com vizinhos e familiares; gravações artesanais em casa e filmagens de videoclipes. Ao longo dessas conversas e das letras das músicas vai ficando claro o engajamento dos artistas em revelar e se manifestar contra as cegueiras sociais geradas pela política, pela igreja e por um histórico de país colonizado que acabou por ter que se adequar a padrões estéticos e comportamentais.
Assim como o Brasil, Gana sofre de maus políticos que intencionalmente mantém a população refém de desejos e estereótipos externos e da falsa crença de serem subdesenvolvidos, apesar de sermos nós os detentores dos recursos naturais, das paisagens dos sonhos e das atitudes alegres e imaginativas.
M3NSA, Wanlov The Kubolor, Adomaa, Worlasi, Akan, Mutombo Da Poet e Poetra Asantewa nos trazem riqueza nos ritmos e nas letras, criatividade em meio a uma certa precariedade de recursos e alto de nível de qualidade dos videoclipes. Adomaa, especificamente, por ser mulher, pincela discussões em torno de um possível e necessário protagonismo das mulheres.
Num momento em que o mundo está se propondo (ou deveria estar) a se tornar mais consciente de realidades desconhecidas, a estudar e conhecer mais pra poder se tornar um melhor aliado da causa antirracista, esse filme vem bastante a calhar.
Desfaz pré-concepções, revela talentos e pensamentos complexos que muitas vezes são ignorados pela mídia e pela sociedade ocidental como um todo. O continente africano ainda sofre de muitos preconceitos e generalizações.
É uma pena que, pra que haja difusão desse conteúdo de forma mais espalhada e fora do continente Africano, seja necessário dois Suíços tomarem a inciativa de fazer o filme. Mas tudo bem também, dos males o menor. Já estamos aprendendo que ninguém tem que dar voz a ninguém, essa é uma falsa concepção muito proferida por intelectuais europeus que se espalhou e acabou sendo muito usada por cineastas documentaristas dos anos 60 e 70. O que podemos, sim, dar é espaço e nossa escuta ativa e interessada.
O filme poderá ser visto no 8º Panorama Digital do Cinema Suíço que acontece, totalmente online, entre 27 de agosto e 6 de setembro através da plataforma Sesc Digital: www.sescsp.org.br/panoramasuico
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