Em 1990, era lançado o quinto filme da franquia do Garanhão Italiano. Nele, o pugilista Rocky Balboa (Sylvester Stallone), após derrotar o russo Ivan Drago (Dolph Lundgren) e vingar o ex-campeão Apollo Creed (Carl Weathers), morto pelo soviético numa luta de exibição, descobre que os socos que trocou o deixaram com uma grave lesão no cérebro. Para piorar, ele perde toda a sua fortuna e tem que voltar para a sua vizinhança pobre na Filadélfia. Um dia, ele conhece um jovem chamado Tommy Gunn (Tommy Morrison), que quer ser treinado por ele. Tudo vai bem, até que ele é seduzido por um inescrupuloso empresário e vira as costas para o seu mentor.
Apesar da proposta interessante, “Rocky V” é considerado por muitos (inclusive o próprio Stallone) como o pior da série. Tanto que ele quase nunca é mencionado pelos fãs nem é muito exibido nas maratonas que acontecem em canais a cabo com os outros filmes, varrido para baixo do tapete como um erro grave que nunca deveria ser repetido. Tanto que, desejando dar um fim mais digno para o seu personagem, ele resolveu voltar aos ringues uma última vez em “Rocky Balboa” (2006), com bastante sucesso, e parecia que tudo havia terminado com esse bom desfecho. Bem, parecia…
Porque, anos depois, o diretor Ryan Coogler, após chamar a atenção com o ótimo “Fruitvale Station: A última parada”, seu primeiro filme, resolveu que era preciso voltar ao universo de Rocky, mas de uma forma diferente, mesmo que possuísse elementos que já tinham sido usados, mas que não aproveitaram todo o seu potencial. Assim, ele pegou a premissa fracassada de “Rocky V” e a transformou em algo bem melhor e muito mais envolvente, que vai de encontro com a mitologia criada por Stallone em 1976, quando escreveu e estrelou “Rocky – Um Lutador”. Mas mudando o personagem, tirando um pouco o foco em cima dele para dar mais destaque a um novo elemento: um filho ilegítimo de Apollo, que precisa de um mentor para que consiga ser respeitado como pugilista.
A ideia de Coogler acaba funcionando muito bem e “Creed: Nascido Para Lutar” (“Creed”) se revela um ótimo exemplar da série, graças a um ótimo roteiro e uma direção que nunca chega a beijar a lona, além de atuações acima do esperado, que encantam e empolgam o público.
Na trama, conhecemos Adonis Johnson (Michael B. Jordan), jovem temperamental que, desde criança, sempre gostou de uma briga. Adotado por Mary Anne (Phylicia Rashad), viúva de Apollo, após a morte da mãe e de uma temporada num reformatório, o rapaz tenta, mas não consegue ter uma vida convencional na Califórnia. Um dia, resolve largar tudo e vai para Filadélfia, onde tenta descobrir mais sobre o passado do pai, que não conheceu. Assim, ele acaba batendo na porta do restaurante de Rocky e pede para que o ensine a lutar.
A princípio relutante, Rocky acaba cedendo começa a treiná-lo para torná-lo um bom lutador. Os bons resultados acabam chamando a atenção do empresário do campeão mundial de pesos-médios, o britânico e esquentado Ricky Conlan (Tony Bellew, também pugilista na vida real), que quer aproveitar a origem de Adonis para promover uma disputa pelo título.
Surpresas inesperadas podem prejudicar tanto o filho de Apollo quanto o seu mentor, que terão que superar as dificuldades para conseguir conquistar o respeito de todos.
O que mais empolga em “Creed: Nascido Para Vencer” é que o filme, ao mesmo tempo que mostra seu respeito por tudo que já foi feito nas outras produções, aponta novos caminhos para a franquia, com uma direção certeira de Ryan Coogler, que se sai bem tanto nas cenas de lutas quanto nas mais dramáticas. Um bom exemplo disso está num dos confrontos de Adonis no ringue que é realizado em plano-sequência (sem cortes), algo nunca realizado na franquia. A ideia, além de feliz, mostra a competência tanto do diretor quanto da diretora de fotografia Maryse Alberti, que trabalhou em “O Lutador”, de Darren Aronofsky, e no recente “A Visita”, de M. Night Shyamalan.
O roteiro, escrito pelo cineasta e Aaron Covington, é bem construído e usa diversas referências dos filmes anteriores, o que vai fazer os fãs de Rocky vibrarem na cadeira. A trilha sonora de Ludwig Görasson cria novos temas para os personagens e faz leves pontuações com a música criada por Bill Conti para o filme original com bastante eficiência e também merece ser destacada.
Além de todas essas qualidades, “Creed: Nascido Para Vencer” também merece crédito pelo seu elenco. Michael B. Jordan, que já tinha trabalhado com Coogler em “Fruitvale Station: A última parada”, volta a fazer um trabalho consistente como ator e mostra carisma como Adonis, fazendo o espectador torcer, não só por sua vitória nos ringues, mas também para que consiga ficar em paz consigo mesmo. Ele faz uma boa dupla com Tessa Thompson, que também está muito bem como Bianca, uma cantora com quem acaba se envolvendo e se torna, junto com Rocky, o porto seguro que o filho de Apollo precisava. Ela também mostra muita personalidade, se alinhando com as atuais protagonistas de vários filmes atualmente.
O ponto mais fraco (mas não péssimo) é Tony Bellew, que pouco tem a fazer como o oponente de Adonis, a não ser vociferar provocações contra o protagonista, tornando-o pouco marcante, se compararmos com os vilões dos filmes anteriores. Mas mesmo assim, não chega a incomodar.
Porém, o que faz o filme brilhar é mesmo Sylvester Stallone. Sem se envolver com a direção ou o roteiro pela primeira vez na série, ele consegue fascinar ao mostrar um Rocky mais vulnerável, tanto pela saudade que tem do passado e das pessoas que o deixaram, quanto pelas limitações que chegam com a idade. Basta reparar na respiração ofegante e no olhar cansado que o ator imprime ao personagem, que muda gradualmente à medida que seu novo pupilo evolui como lutador, encontrando uma nova forma de viver, agora como mentor do filho de seu ex-adversário. Assim, o público também fica do seu lado e vibra por ele, que faz uma bela parceria com Adonis, preocupando-se com os problemas internos que o jovem enfrenta com sua origem.
“Creed: Nascido Para Vencer” vai fazer muito marmanjo vibrar na cadeira do cinema e até mesmo se emocionar, a ponto de verter lágrimas dos olhos ao fim da projeção. O filme consegue passar para o espectador a sensação que é estar dentro de um ringue de uma maneira nunca vista na franquia e conta muito bem a sua história, dando a vontade de ver mais sobre este novo universo que acaba de ser criado. Parece que o Garanhão Italiano e seu novo aprendiz ainda têm muito que fazer no cinema. Ainda bem!