Em uma carreira com poucos filmes como cineasta, Christopher Nolan conseguiu uma proeza que muitos realizadores desejam, mas não alcançam mesmo com uma filmografia mais extensa: se tornar uma grife, entre os leigos e os entendidos de cinema em todo o mundo. Isso se deve, principalmente, ao sucesso de sua trilogia que recriou o universo dos quadrinhos de “Batman”, que fez com que seus próximos projetos se tornassem cada vez mais ambiciosos e, ao mesmo tempo, causassem mais expectativa, já que procuravam dar ao grande público experiências que fizessem pensar, sem perder a sensação de entretenimento. O resultado mais bem acabado neste aspecto, até então, foi “A Origem”, que chegou a ser apontado por alguns críticos como o novo “Matrix”. Mas agora, Nolan levou suas ambições ainda mais alto ao comandar a ficção científica com toques de drama e existencialismo “Interestelar” (“Interstellar”).
A trama, escrita pelo diretor e por seu irmão, Johnathan Nolan, mostra a Terra passando por problemas climáticos e escassez de alimentos, o que pode causar a extinção da raça humana. Neste cenário caótico, vive Cooper (Matthew McConaughey), um fazendeiro viúvo que cria os filhos Tom (Timothée Chalamet) e a caçula Murphy (Mackenzie Foy) com o sogro Donald (John Lithgow) no interior dos Estados Unidos.
Um dia, com a ajuda da filha, descobre uma missão da Nasa que pretende investigar uma espécie de “fenda temporal” para encontrar um novo planeta que possa ser habitável e, assim, dar uma nova chance para a humanidade. Como Coop já foi piloto de nave espacial, ele é convidado a participar da missão, que conta com a participação de Amelia Brand (Anne Hathaway), filha do Professor Brand (Michael Caine), que estudou os cálculos para que a viagem fosse executada. Assim, ele deixa a sua família na Terra e parte para o espaço, na esperança de encontrar um novo mundo. Porém, as coisas não saem como o esperado e Coop, Amelia e seus colegas precisam lidar com problemas que podem atrapalhar os seus objetivos e até mesmo custar as suas vidas.
Contar mais da história pode estragar as diversas surpresas que surgem em “Interestelar”. Mas vale dizer que Nolan e seu irmão conseguiram a proeza de realizar um roteiro que é, ao mesmo tempo, tão ou mais intrincado que “A Origem”, só que mais claro e fácil de entender, apesar do excesso de linguagem técnica, que envolve conceitos da Física.
O filme se torna o mais emocionante da carreira do diretor, já que ele também enfatiza a relação entre Coop e Murph, pai e filha que se amam, mesmo quando estão longe demais um do outro. Quando a trama avança no tempo e a menina ganha os belos traços de Jessica Chastain, Nolan conduz a produção com mão firme, sem cair no sentimentalismo barato, e este é um dos muitos méritos da obra.
O cineasta, inspirado especialmente pelo clássico “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, realizou um trabalho que realmente instiga, amparado por ótimos efeitos especiais, além da fotografia de Hoyte Van Hoytema, especialmente nas cenas no espaço, as que remetem a filmes de Terence Mallick e até mesmo “Sinais”, de M. Night Shyamalan, e a trilha sonora de Hans Zimmer, que se destaca nos momentos de maior tensão.
Só que “Interestelar” perde um pouco de sua força quando chega ao seu terço final, com uma reviravolta um pouco surreal demais, que estraga o andamento da história. Com certeza, este momento da trama é o ponto mais polêmico do filme e os espectadores devem se dividir sobre ele, o que pode levar a altas discussões sobre a sua validade na produção. Embora muito bem conduzida tecnicamente, esta surpresa destoa da proposta apresentada por Nolan até então, o que é uma pena, já que ela impede de tornar o filme melhor do que ele poderia ser.
Felizmente, Nolan acertou na escolha de todo o elenco, que ajuda a tornar “Interestelar” ainda mais cativante para o público. Matthew McConaughey prova que não ganhou o Oscar de Melhor Ator por “Clube de Compras Dallas” à toa e entrega uma interpretação honesta e bastante emotiva como o piloto que quer ajudar a salvar a humanidade, mas também deseja cumprir a promessa feita à sua filha, e consegue tornar o espectador seu cúmplice nesta jornada. Anne Hathaway foge dos clichês da cientista fria e inteligente, muito comum em filmes de ficção científica, e mostra que, mesmo tentando mostrar força com seus conhecimentos, ainda tem um coração. Jessica Chastain tem a difícil missão de ser o “elo emotivo” entre o pai, que está no espaço, e sua família na Terra, enquanto busca algo que possa ajudar o planeta, ao mesmo tempo que precisa entender a decisão de Coop de deixá-la muito jovem, e se sai muito bem.
Vale ressaltar que Mackenzie Foy, que vive a personagem na primeira fase do filme, mostra que é uma atriz que tem um grande potencial. Casey Affleck, que vive Tom na vida adulta, convence como uma pessoa calejada pelo tempo, que se recusa a aceitar as ideias da irmã. Já Michael Caine, que se tornou um parceiro habitual de Nolan, tem aqui mais uma grande performance (embora apareça pouco) e tem, como nas outras obras do cineasta, uma ótima cena para enfatizar sua excelência como ator.
“Interestelar” é uma rara experiência cinematográfica não só pela sua excelente parte técnica (evidenciada ainda mais se for vista em Imax), mas também por levantar questões mais complexas e raramente vistas em filmes de ficção científica atual, como aquelas relativas ao tempo. A ambição de Christopher Nolan foi além da estratosfera e chegou a um limite acima do imaginável. Pena que ela não atingiu a total excelência pois o diretor esteve bem perto de realizar a sua verdadeira obra-prima. Mas ainda assim, o saldo ficou mais do que positivo e manteve o status de grife do cineasta. E isso não é pouco.