Crô – O Filme não satisfaz nem como comédia nem como drama

A primeira sequência de “Crô – O Filme” é emblemática. Nela, vemos Crodoaldo Valério (Marcelo Serrado) fazendo um show de lançamento como cantor, graças ao dinheiro que herdou de sua patroa, Teresa Cristina (Christiane Torloni), no fim da novela “Fina Estampa”, de 2011. Ele começa a soltar a voz com a música “A Tonga da Mironga do Kabuletê”, de Vinícius de Moraes, e o público até o recebe calorosamente. Até que Crô começa a desafinar e a plateia troca os aplausos pelas vaias, causando um verdadeiro vexame.

Pois é justamente isso que é sentido com o decorrer da produção, dirigida por Bruno Barreto, e escrita por Aguinaldo Silva. O filme dá uma primeira impressão de que vai ser uma boa comédia, mas acaba se tornando uma grande decepção.

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A produção, feita para faturar em cima do sucesso na TV do divertido e controverso personagem-título, mostra as diversas tentativas de Crô ser bem sucedido em várias áreas em São Paulo (para onde se mudou após o fim da novela), mas todas resultam em fracasso. Após ter um sonho com sua falecida mãe (a cantora Ivete Sangalo), Crô decide que vai voltar a ser um mordomo e que precisa encontrar uma patroa que seja uma nova Rainha do Nilo (como ele chamava Teresa Cristina).

Após várias entrevistas com diversas mulheres (que rendem alguns sorrisos amarelos), Crô se mostra interessado em Vanusa (Carolina Ferraz). Só que a moça é amante de um dono de uma confecção chamado Riquelme (Milhem Cortaz), e os dois usam um esquema de trabalho escravo, abusando de imigrantes ilegais para fabricar suas roupas. Uma delas é a jovem Paloma (a estreante Úrzula Canaviri), que tenta fugir de seu cativeiro e salvar a sua mãe, que acaba caindo nas graças de Crô.

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Embora seja louvável a iniciativa de Aguinaldo Silva de levar para a tela grande o problema da exploração de imigrantes ilegais nas confecções paulistas, o tema não parece apropriado para um filme que tem a intenção de fazer as pessoas rirem, por ser pesado demais. O roteiro também falha em criar situações realmente engraçadas para Crô e seus asseclas, também vindos de “Fina Estampa”. O motorista Baltazar (Alexandre Nero), por exemplo, se limita a ficar mau humorado o tempo todo da história e a cena em que ele se envolve com um travesti chega a ser constrangedora.

Já Marilda (Kátia Moraes), a empregada e fiel escudeira de Crô, não tem muito o que fazer na trama. Nem mesmo a revelação sobre a identidade do namorado do protagonista, que havia sido omitida no final da novela, causa alguma surpresa, já que o autor utilizou um recurso que já é um verdadeiro clichê no cinema.

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A direção de Bruno Barreto não consegue encontrar o equilíbrio adequado para conduzir a trama de “Cro – O Filme”. Enquanto comédia, o cineasta não alcança o ritmo ideal para as gags espalhadas pela história. Já quando faz as cenas dramáticas, ele carrega nas tintas, especialmente naquelas em que Paloma tenta fugir de seus captores e se desespera ao ver sua mãe nas mãos dos capangas de Riquelme.

No fim das contas, o resultado é insatisfatório, tornando o filme um produto esquizofrênico e equivocado, em que os atores fazem o possível para defender bem os seus personagens. As participações de Ana Maria Braga e, especialmente, de Gaby Amarantos, são perfeitamente dispensáveis e parecem estar ali só para atrair os fãs das duas, pelos quatro cantos do Brasil. A ponta de Thiago Abravanel também é lastimável.

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Uma das únicas coisas que se salvam em “Crô – O Filme” é o próprio Crodoaldo Valério. Marcelo Serrado mostra no cinema por que foi a grande sensação da TV em 2011, com sua interpretação muito divertida, ainda que bastante afetada. O ator mostra uma boa cumplicidade com o resto de seu elenco, especialmente com Alexandre Nero e Kátia Moraes, e o figurino multicolorido do personagem também são um destaque à parte.

Uma grata surpresa é a menina Úrzula Canaviri, que emociona na pele da sofrida Paloma. Carolina Ferraz e Milhem Cortaz estão apenas corretos como os vilões,  o que é de certa forma decepcionante, já que os dois já renderam melhor no passado com esse tipo de papel. Quanto a Ivete Sangalo como atriz, é uma ótima cantora.

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Há muitas críticas sobre o tipo de cinema que é feito no Brasil há alguns anos, que pega elementos e linguagem da televisão, só para garantir sua bilheteria. De fato, isso se tornou bastante corriqueiro de uns tempos para cá. Mas nem sempre o resultado é realmente satisfatório, mesmo com uma boa arrecadação.

Este é o caso de “Cro – O Filme”, que pode até satisfazer um espectador bem menos exigente. Mas, no fim das contas, a produção deixa um gosto meio amargo para uma comédia que deveria ser um mero passatempo. O que mostra que ainda não surgiu no nosso país uma produção que consiga uma boa junção de dois mundos. Mas pode ser que, algum dia, isso aconteça.

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