Ah, o cinema. Eu ando tão distante do cinema. Mas, para mim, é como aquele amor que ocupa fixamente um canto escuro do coração, que fica adormecido por tempo indeterminado, até simplesmente ser estimulado. Aí ele volta a crescer, como uma erva daninha, tomando todo o resto do coração. É isso. Quando vejo um filme arrebatador, como o francês Dentro da Casa, sinto falta dos tempos em que o cinema era uma paixão mais presente e me bate um desejo quase sufocante de me dedicar mais a essa arte. Lembro-me do Festival do Rio em que assisti a mais de 20 filmes. Bons tempos. O cinema é definitivamente a arte que mais me seduz, mesmo que eu desande a falar sobre literatura vez por outra (uma leviandade, visto que não li nem três livros do Machado de Assis, por exemplo. E nem um único da Clarice Lispector, confesso). O cinema francês, não à toa, consegue com frequência me dar esse quase dejávu. Nessa semana, li um texto do Walter Salles que dizia justamente como o cinema francês de hoje é “o mais interessante e plural do mundo”. Jogo a responsabilidade de dizer isso nas costas dele mesmo, que sabe mais de cinema que eu e você juntos. Mas vou na onda. Sou louco pelo cinema francês. De hoje e de outrora. Os caras sabem fazer isso como ninguém. O próprio François Ozon, que dirige divinamente Dentro de Casa, já tinha me oferecido prazeirosos 103 minutos na companhia de Catherine Deneuve e Gerard Depardieu em Potiche – Esposa Troféu (2010). Daquele elenco, só ficou Fabrice Luchini para fazer o papel principal da trama que me deixou tão encantado e sobre a qual falo mais agora.
Dentro da Casa conta a história de um jovem estudante do colegial que resolve fazer de suas redações uma série de capítulos de um romance. Como o rapaz, chamado Claude, escreve talentosamente, seu professor de literatura estimula que ele continue. O mote de seu romance é o dia a dia aparentemente banal da família do colega Rapha. Aos poucos, Claude vai influenciando no caminhar da história medíocre da família de Rapha e o romance que vai tomando corpo vira mais e mais interessante. Só para se ter uma ideia, Claude se apaixona pela mãe de Rapha. E pare de resmungar porque ao contar isso não estou estragando nada. Logo nas primeiras narrativas do jovem escritor se vê que há uma boa dose de segundas intenções com a mamãe do amiguinho. Pois bem. A questão é que a gente não para para ver a hora durante o filme, ou para responder um maldito sms, ou pensar na morte da bezerra. O foco é total na narrativa de Claude e na forma como ele e o professor Germaine se envolvem com a família de Rapha. Germaine, aliás, é Fabrice Luchini, que sabe muito bem fazer papeis caricatos. Fez isso em Potiche, que mencionei acima, e faz isso com ainda mais destaque nesse delicioso filme francês. Não é um ator fenomenal, mas me inspira simpatia. E como esse texto é extremamente pessoal tenho todo o direito de dizer que gosto dele sem nenhuma justificativa tecnincamente coerente. Hunf! Já Ozon está numa ascendente danada. Foi a sensação em Cannes com seu filme voluptuoso de nome Young & Beautiful, em que Marine Vacth interpreta uma prostituta menor de idade. O sujeito tem tudo para escrever o nome na história do cinema francês.
Agora, há de se dizer que o final de Dentro da Casa também é sensacional. Sabe o que me lembrou? Ok, isso pode ser um estraga prazeres, então pare de ler aqui se você não quiser uma pista do final. Se continuou é porque está querendo mesmo. Então, tome. O fim da trama, que é baseada numa peça de teatro de Juan Mayorga, me lembra o apresentador de TV irritante João Kleber e o seu famoso Teste de Fidelidade. Por ironia do destino, diz-se que João Kleber foi chifrado justamente pelo ator que participava do quadro, seduzindo as mulheres casadas dos outros – no fim, portanto, seduziu a do próprio patrão. O “Ricardão”, para quem não lembra, é o famoso Oliver, que tentou ser candidato a vereador em 2008. Mas isso é outra história. Paguem para ver Dentro de Casa. E contem depois se não tem alguma semelhança com o caso de luxúria que marcou a vida de João Kleber.