A verdadeira dimensão do cinema é a dimensão de sua própria realização. O diretor Christopher Nolan está sempre pronto a romper os ideais de dimensão em suas produções. Seja na narrativa (Amnésia), na dramaticidade (Insônia), na mitologia dos HQs (trilogia Batman) ou numa espécie de metalinguagem cognitiva (A Origem). Existe um rigor em seu desmedimento artístico que sempre justifica a grandiloquência de seus projetos. Interestelar, seu aguardado novo longa, comprova seu preciosismo com a questão da dimensão, tanto na execução técnica quanto no discurso dramático.
A Terra está acabando. O engenheiro e ex-astronauta Cooper (Matthew McConaughey, soberbo) sobrevive como fazendeiro depois de um acidente. Ele cuida de seus dois filhos, após a morte da esposa. A grande história do filme provém da relação extremamente forte de Cooper com sua filha. Essa força guiará a família para desdobramentos na tragédia anunciada da Terra e em uma derradeira viagem interestelar.
O filme é pretensioso. E com isso traz em si, os dois lados de uma ambição artística. Baseado basicamente nas teorias do cientista Kip Thorn – que criou o estudo seminal a cerca das ondas gravitacionais, relatividade geral e lapso temporal – Nolan faz de sua história um tratado sobre os limites da lei de gravidade metaforicamente ou não. Se por uma lado, Nolan demonstra um invejável domínio do universo que cria ao conseguir paralelizar a força dramática de seu “herói” com as teorias científicas da qual parece ter se aprofundado, por outro lado, esse mesmo cruzamento aponta certa superficialidade dramatúrgica justamente na tentativa de ser uma saga épica. É como se, as vezes, temos a sensação de que isoladamente, os “núcleos” funcionem, mas como linearidade narrativa, nem tanto.
Mais uma vez conseguindo investir o mesmo tempo que debruça sobre a tecnologia de seus filmes, na direção de seus atores, Nolan consegue extrair o melhor de seu protagonista, assim como a graça exalada pelo olhar de Anne Hathaway, o comedimento explosivo de Jessica Chastain, assim como sua versão criança, a excelente Mackenzie Foy. O elenco em si – temos Michael Caine! – é todo sensacional, mas é interessante notar a importância cênica frente ao “contexto chroma key”.
O que Interestelar tem de “2001 – Uma Odisséia no Espaço” de Stanley Kubrick (referência assumida do diretor) é talvez o que o fragiliza: o filosofismo que busca ilustrar o sentido da vida. A pretensão do discurso sacrifica a força da história, principalmente no decorrer de sua conclusão. Mas Nolan proporciona uma experiência cinematográfica, e quanto a isso, seus efeitos são indiscutíveis. É onde o filme alcança uma dimensão poderosíssima como cinema: a capacidade de transcender a imaginação e (tentar) justificar isso dramaticamente. Por mais que falhe no todo, não tem como não admitir que o filme (acompanhado por uma trilha deslumbrante de Hans Zimmer) dimensione seu próprio gênero. E suscite discussões sobre si e o que repercute. Se é mesmo que a verdadeira dimensão do cinema é a dimensão de sua própria realização, Interestelar se coloca naquele tipo de cinema que faz de sua dimensão seu verdadeiro mérito para além do ser simplesmente cinema.
Leia também a crítica “Interestelar é mais uma obra complexa de Christopher Nolan” de Célio Silva previamente publicada aqui na revista Ambrosia.