Festival do Rio 2023: “Pobres Criaturas” é uma peculiar fábula de emancipação feminina

Yorgos Lanthimos não é um cineasta para todos os gostos. E seu novo filme, “Pobres Criaturas”, certamente não será uma unanimidade, apesar de ter sido laureado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza 2023. As escolhas estéticas peculiares, propositalmente provocativas são expostas logo no início da exibição. Câmera olho de peixe em diversos momentos, preto e branco que depois irá se alternar com um colorido agressivamente saturado, uma direção de arte intrigante e edição desconcertante. Os primeiros 15 minutos são realmente um “pegar ou largar”. Aqueles que optaram por embarcar, por conta e risco, são presenteados com uma das mais inventivas viagens fílmicas do ano.

Trata-se da história fantástica de Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem trazida de volta à vida de maneira bizarra pelo cientista nada ortodoxo Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe). Sob a proteção de Baxter, Bella desenvolve um ímpeto por aprendizado e por descobrir o mundo fora dos limites da mansão. Ela encontra a passagem de fuga em Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), um advogado astuto e devasso, que a leva em uma aventura turbulenta pelos continentes, onde ela aprende a lutar contra preconceitos e defender a igualdade e a libertação.

Quem já é familiarizado com a obra do cineasta (de “A Favorita”, que deu o Oscar a Olivia Colman, superando o favoritismo de Glenn Close naquela edição) não tem dúvidas de que o livro homônimo de 1992 escrito por Alasdair Gray cai como uma luva sobre seu estilo narrativo. Yorgos leu o romance anos antes de fazer o filme e, depois de se interessar em adaptá-lo para as telas, visitou pessoalmente o autor para convencê-lo a conceder-lhe os direitos de opção. Gray, por sua vez, também expressou admiração pelo filme anterior de Lanthimos, “Dente Canino” (2009), e disse que o considerava muito talentoso.

Assim como em “A Favorita“, o roteiro de Tony McNamara transborda feminismo e duros golpes desferidos contra o patriarcado. A saga de Bella é uma fábula sobre a emancipação feminina, nada convencional, mostrando com tintas fantasiosas, a dura luta das mulheres pela liberdade de escolha, sexual e, simplesmente, de existir. E o paralelo estabelecido com a história de Frankenstein é bastante pertinente.

A direção acerta em usar o grotesco para afastar os espectadores que talvez não engajem com a causa e o fantástico para a imersão daqueles que abraçaram a proposta. O longa possui três claras inspirações: “O Jovem Frankenstein” (1974), de Mel Brooks, “E la Nave Va” (1983), de Fellini, e até “A Bela da Tarde” (1967), clássico com Catherine Deneuve, dirigido por Luis Buñuel. E essa mistura, semelhante às do cientista da trama, funciona perfeitamente, por mais que inusitada.

A inebriante fotografia de Robin Ryan, outro colaborador do filme anterior do cineasta, é sem dúvidas um dos maiores trunfo, assim como o design de produção de Shona Heath e James Price. A imersão pretendida pelo diretor se deve sobretudo a esses dois elementos. Mas a trilha sonora de Jerskin Fendrix está em plena sintonia com o clima de estranheza.

Emma Stone está brilhante no papel da protagonista. Ela também havia se destacado no elenco de “A Favorita” e aqui ela é a força motriz. A evolução gradual da personagem, ganha credibilidade com a forma com que a atriz transparece as sutilezas dessa jornada, sem deixar o bizarro e a comicidade de lado. Willem Dafoe, já funciona como o alter ego do cineasta. Como já era esperado, presenteia-nos com mais uma atuação brilhante (sob uma maquiagem repulsiva). Já Mark Ruffalo é um ótimo alívio cômico, mesmo que um pouco acima do tom em alguns momentos.

Pobres Criaturas” é daqueles filmes que geram discussão. Prepare-se (caso tenha gostado ou não) para acalorados debates. E toda vez que um cineasta nos proporciona isso é para se comemorar. Cineastas como Yorgos Lanthimos precisam ser sempre festejados.

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