“Emilia Pérez” mostra a união de duas mulheres: Rita e a Emilia do título. A primeira é uma advogada no México, que, apesar de extremamente qualificada, é desvalorizada, trabalha em uma empresa que prefere encobrir crimes do que servir à justiça. Ela recebe uma proposta inesperada para ajudar um chefe de cartel a se aposentar e desaparecer. Na verdade ele quer colocar em prática o plano que há anos ele planeja, que é se transformar na mulher. Anos mais tarde, elas se reencontram e montam uma instituição de apoio a famílias de mortos e desaparecidos.
Dirigido por Jacques Audiard (de “Ferrugem e Osso”), o filme saiu do Festival de Cannes 2024 com o Prêmio do Júri e Prêmio de Melhor Atriz para as quatro atrizes principais, Adriana Paz, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez e Zoe Saldaña. Apresenta-se na estrutura narrativa de musical, com canções escritas pela cantora e atriz francesa Camille.
A jornada das duas mulheres se entrelaçam quando ambas se engajam nessa força tarefa onde Rita se redime de ter trabalhado em um escritório de advocacia que focava apenas em ganhar o máximo de causas, abusando das injustiças e brechas da lei, e Emilia, das mortes que causou enquanto estava na pele do traficante Manitas.
“Emilia Pérez” tem pretensões de uma obra grandiosa, ao mesmo tempo em que apresenta similaridades com “Moulin Rouge: Amor em Vermelho” (2001), “Chicago” (2002) ou “Os Miseráveis” (2012) na forma de inserir as músicas que contam a história, busca se distanciar do revestimento tradicional de números musicais, utilizando-se de uma linguagem com aproximação maior da dos videoclipes.
A outra quebra de expectativa é de não trazer uma discussão sobre transgeneridade, colocando a condição como o motivador da história, e sim acentuar a mudança de rumos tomados pela personagem, que literalmente mata seu antigo eu, enterrando junto todos os crimes do passado, na construção de uma versão ideal do ser humano. Na verdade, o fato de ser uma mulher trans não é mencionada ou suscita questionamento em nenhum momento Todavia, alguns traços de seu eu interior ainda podem vir à tona quando menos se espera.
A fragilidade da trama reside no fato de a transformação de Manitas em Emilia não acarretar nenhum tipo de conflito ou reviravolta. Isso se dá por outras circunstâncias. Daí a troca de sexo poderia ser simplesmente uma troca de rosto, por exemplo. Da mesma forma, as reflexões quanto a seu passado poderiam ter um desenvolvimento mais amplo dentro do roteiro.
Na parte musical, alguns números funcionam, outros nem tanto e alguns beiram o patético. Esses altos e baixos colocam em questão se o formato era o mais adequado e, principalmente, se o diretor sabia de fato lidar com o estilo.
As atuações das quatro atrizes são satisfatórias, de fato, sobretudo a de Karla. As tintas de dramalhão mexicano salpicadas no script as deixam um tanto caricatas em alguns momentos, é bem verdade.
Por fim, “Emilia Pérez” poderia funcionar como um libelo contra o machismo e a transfobia, além de dar mais elementos ao empoderamento feminino, ficando no meio do caminho. Inclusive como musical, já que poucas músicas são de fato inspiradas. O destaque, além das atuações, vai mesmo para a bela fotografia, edição e edição de som. É uma obra que não deixa de ter sua potência, mas fica aquém do que poderia alcançar.
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