Festival do Rio 2024 – Todas as Estradas Têm Gosto de Sal é sensível ao abordar um drama pessoal no sul dos EUA

A estreia de Raven Jackson como diretora e roteirista em “Todas as Estradas Têm Gosto de Sal” é uma obra profundamente sensível e visualmente impactante, que reflete sobre memória, identidade e herança familiar. A trama acompanha a vida de Mackenzie (conhecida como Mack), uma mulher negra do interior do Mississippi, sul dos Estados Unidos, ao longo de várias décadas, desde a infância, nas décadas de 1960 e 1970, até a fase adulta. A narrativa é fragmentada, entrelaçando momentos do passado, presente e futuro, criando a sensação de uma memória viva e coletiva, além de laços espirituais entre gerações.

A morte da mãe de Mack muda o rumo de sua vida: ela e a irmã são enviadas para morar com a avó, o que interrompe sua relação emergente com um jovem chamado Wood. A partir daí, Mack tenta reconstruir sua vida em novos lugares, passando por casamento, maternidade e crescimento profissional, mas carrega consigo as dores e separações de sua juventude.

O filme é notável pela sua riqueza estética e pela maneira como captura pequenos gestos cotidianos com profundidade poética, transformando momentos simples, como uma aula de pesca com o pai ou a viagem após o funeral da mãe, em experiências quase épicas. Jackson, junto com o diretor de fotografia Jomo Fray, utiliza a montagem e a luz para infundir as cenas com emoções intensas e significados profundos, refletindo a natureza fragmentada da memória.

Em momentos marcantes, como a cerimônia de casamento de Mack, o filme conecta o íntimo e o coletivo: enquanto um coro espiritual entoa uma música, os rostos dos participantes são mostrados em close-ups silenciosos, revelando tanto a devoção quanto o pensamento interior de cada um. Os diálogos são curtos, mas densos de significado, e os atores transmitem com sutileza a complexidade de suas vivências, como quando Mack reflete sobre a água: “Ela não começa nem termina, apenas muda de forma”.

A diretora não tem urgência para desenrolar os fatos, preferindo usar uma contemplação imagética para transmitir as mensagens em diversas passagens. Isso não significa que o elenco não tenha seu destaque. Tanto as versões adultas das irmãs Mack e Josie, vividas por Charleen McClure e Moses Ingram (a inquisidora Reva de “Obi-Wan Kenobi”) quanto as versões crianças interpretadas por Kaylee Nicole Johnson e Jayah Henry brilham. Às vezes essa não objetividade peca pelo excesso, mas não chega a comprometer o todo.

“Todas as Estradas Têm Gosto de Sal” é um melodrama delicado que revela a grandiosidade dos momentos cotidianos e a beleza presente até nas experiências mais dolorosas. A abordagem cuidadosa de Jackson transforma a simplicidade do dia a dia em uma reflexão profunda sobre a vida e a perda, criando uma obra que celebra a existência humana com uma perspectiva nobre e poética.

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