Já sendo alardeado como o último filme de Domingos Oliveira, “BR 716″ de fato vem com um invólucro que infere um epílogo. No filme, o dramaturgo cineasta ator e escritor faz um cinema auto referencial, reunindo elementos que lhes são caros, da temática aos atores em cena (amigos, família e colaboradores de longa data).
O BR 716 do título se refere a um prédio na rua Barata Ribeiro, coração de Copacabana, às vésperas do golpe de 64. Ali é onde habita o engenheiro aspirante a escritor Felipe (Caio Blat). Hedonista confesso, ele não abre mão de festas alucinantes regadas a álcool realizadas neste apartamento (dado por seu pai), de boa música, arte e da companhia de belas mulheres como Gilda (Sophie Charlotte). O estilo de vida de Felipe não deixa de ser um manifesto contra a opressão e à mediocridade que se abate sobre o cidadão médio. Embora ele próprio não tenha a total consciência disso.
É confortável (para não dizer preguiçoso) chamar o filme de nostálgico, saudosista. Na verdade, foi o melhor cenário que Domingos encontrou para situar sua trama idílica. Se a principal mensagem do filme é o posicionamento contra a opressão (muito pertinente no momento político que o país vive), ele escolheu um período em que a ideologia era romântica, coincidentemente, a época em que o próprio estava ganhando projeção artística. Inclusive a impagável atuação de Caio Blat reproduz os trejeitos do cineasta como fazem os protagonistas dos filmes de Woody Allen. Fica claro que Felipe é seu alter ego.
De fato, é uma visão um pouco glamourizada da época, mas isso não é um demérito. Apesar de se passar praticamente todo dentro do imóvel (o personagem principal de fato), consegue passar toda a magia de um Rio de Janeiro que não existe mais. É impossível não se render ao saudosismo ou à nostalgia ao ouvir as músicas, ao ver as referências artísticas, isso ainda é reforçado pela fotografia em preto e branco. E sim, o filme remete à linguagem estética que Domingos seguia nos anos 60, a qual nunca abandonou de fato.
Por fim, BR 716 é uma produção com o pedigree de um dos cineastas mais brilhantes do Brasil, o que, por si só, já é um grande mérito. No atual momento, em que o Brasil vive uma ditadura escamoteada, o paralelismo se torna obrigatório. Se esse for mesmo a última obra, pode-se dizer que Domingos Oliveira fechou sua filmografia com galhardia, redigindo uma carta aberta contra a opressão.
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