A adolescência, se explorada por mãos hábeis, rende uma rica temática na ficção. O bombardeios de hormônios que acarreta não só mudança física mas psicológicas é prato cheio para conflitos internos e externos. E quando a adolescência é mostrada em um período histórico conturbado é ainda mais apetitosa. Foi o caso da série de TV “Anos Incríveis” que se passa nos determinantes anos 60, e é o caso de Califórnia (Brasil/2015), primeiro longa de ficção de Marina Person, com a trama situada no período de redemocratização do Brasil, os idos dos anos 80.
Estela é uma típica adolescente de classe média urbana com sonhos e anseios. Antenada com tudo o que rola de cool no exterior, sobretudo na música e no cinema, ela tem como herói seu tio Carlos, que vive na Califórnia trabalhando como jornalista cultural. Teca, como é chamada carinhosamente, leva sua vida entre a escola, festinhas e paqueras e tem como grande sonho ir para os EUA visitar seu tio, viagem prometida por seus pais para quando completasse 17 anos. Porém, quando chega o tão esperado momento, a viagem é cancelada, pois Carlos está retornando ao Brasil, para alegria da jovem, mas trazendo consigo um amargo segredo.
Marina traz o cinema no DNA. A cineasta e ex-VJ da MTV Brasil é filha de Luiz Sérgio Person, antonomásia do cinema independente brasileiro nos anos 60, autor do essencial “São Paulo S.A”. Em seu currículo, inclusive, consta um documentário sobre o pai, que faleceu quando ela ainda era criança.
“Califórnia” acerta em falar da adolescência em sua universalidade, por que não dizer atemporalidade? Isso porque, com os devidos ajustes, uma adolescente de 30 anos atrás não difere muito de uma dos dias de hoje. Apenas substitua o bate-papo no facebook pelas horas no telefone e a foto postada no Instagram pela polaróide na cortiça. Isso é explorado na tela e desperta um sentimento de saudosismo nos mais velhos e curiosidade nos mais jovens.
A química do elenco, que conta com uma ótima direção de atores, funciona plenamente. Os veteranos Caio Blat e Virgínia Cavendish obviamente se sobressaem. O titã Paulo Miklos cumpre com sua especialidade que é roubar a cena. Seu personagem, pai da protagonista é um típico pai de família conservador, fazendo contraponto ao tio Carlos de Blat. É engraçado ver um roqueiro de uma banda com histórico de letras contestadoras e de vocabulário impróprio encarnando de forma tão convincente uma figura tão sisuda. A ala jovem também ótimo desempenho. Clara Gallo está no tom certo, fazendo a personagem principal que é também uma espécie de alter-ego da diretora. Na verdade Marina desmembrou sua personalidade quando jovem tanto em Estela quanto no alternativo JM de Caio Horowicz.
Some-se a isso o bom ritmo do roteiro, uma trilha sonora excelente com o melhor do rock Brasil e gringo daquele tempo e uma reconstituição perfeita de época, com direito a itens de cena e vestuário originais dos 80’s tirados dos pertences da diretora e de amigos, e tem-se um filme que se encaixa na nova leva de bons filmes nacionais direcionados ao público juvenil, a qual já pertence “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” e “Depois da Chuva”. Nostalgia à parte, “Califórnia” é um encanto.