Uma das coisas mais interessantes de um festival de cinema é sair da sala e conversar com os amigos sobre os filmes, confirmar que todo mundo é diferente e, no caso de longas esquisitos, experimentais ou simplesmente de muito longe, ver como a estranheza provoca reações diversas. Aqui no Ambrosia, muita coisa é discutida entre os autores antes de ser publicada, e agora que saiu a crítica do Renan sobre Elvis e Madona, é hora de eu escrever essa. Se não para defender, pelo menos para jogar um outro olhar.
Pra começar, é quase impossível não comparar o filme de Marcelo Lafitte, vencedor do Redentor de Melhor roteiro no Festival do Rio 2010, com Do Começo ao Fim, de Aluizio Abranches. Os dois filmes se propõem a discutir relações polêmicas, onde o amor e o socialmente aceitável entram em conflito. No filme de Abranches, um drama, a força do tema se perde quando o diretor opta por não problematizar o incesto e a homossexualidade que são a espinha dorsal do filme. Com Elvis e Madona não é assim.
É verdade que o filme não problematiza a questão, mas em sua opção pela comédia, funciona. Nessa Copacabana mítica e marginal, o amor que nasce entre o travesti Madona e a lésbica Elvis não só é possível, mas é bem provável. Além da definição de papéis sexuais, é um amor-amizade, um amor que nasce da carência desses personagens, que existe justamente por serem quem são. Há estranhamento, mas ele não é doloroso, existencial, problemático. Quando menos esperam, Elvis e Madona já estão juntos, tomando cerveja, andando de moto e, por fim, na cama.
Para mim, o grande destaque do roteiro cômico falando de crise é a cena entre Elvis e sua mãe, vivida por Maitê Proença. Depois de um almoço de família onde a “ovelha negra” apresenta a exótica Madona como parceiro, a mãe discute com a filha sobre os rumos de sua vida, o personagem Elvis criado por ela, as idiossincrasias dos membros da família e, com riso e piada mesmo, termina se dizendo orgulhosa da filha, numa cena emotiva, que fala da “coisa séria” sem agredir ou deprimir.
Essa é a onda de Elvis e Madona. É uma comédia sim, tem exageros, erros. A interpretação do casal protagonista é um destaque e ajuda a filtrar nuances que o roteiro não tem. Simone Spoladore acerta no ar masculino de Elvis, e Igor Cotrin comove como Madona, ainda que leve um tempo para nos acostumarmos com seu rosto quadrado (em geral, os travestis de Copacabana conseguem ficar mais femininos). O salão onde Madona trabalha e seus personagens são um exemplo da escolha do diretor. Histriônico e caricato, passa como mais uma visão estereotipada de um ambiente gay, mas condiz com o mundo do longa. É a linguagem dele, e logo que nos acostumamos funciona.
Não é um filme sério, para discutir seriamente as implicações filosóficas do amor entre duas figuras tão diversas. É uma comédia que, por isso mesmo, poderá atingir um público muito maior, num país ainda preconceituoso que dificilmente engoliria um drama coerente sobre uma relação tão delicada. Mas no fim das contas, a relação está lá, e mesmo depois de achar graça, o público sai do cinema pensando sobre Elvis, Madona, e as infinitas possibilidades do amor.