O finlandês Mika Kaurismaki é um velho conhecido nosso, pois mora no Brasil onde rodou dois documentários: Moro no Brasil (2002) sobre o universo de imigrantes residentes no país e Brasileirinho (2005), filme sobre o chorinho. Ele é irmão de outro veterano do Festival, Aki Kaurismaki, que alguns anos atrás apresentou seu ótimo “O Homem sem memória”.
Neste “O Ciúme Mora ao Lado” (Haarautuvan rakkauden talo, 2009), Mika volta à ficção e à Finlândia, país de um dos mais altos níveis de vida, para retratar um drama comum a muitos: o da separação de casais. Toda separação é um processo ao mesmo tempo sofrido e patético, quando a irracionalidade afetiva vem à tona para perturbar à aparentemente racional decisão de um casal maduro pela separação quando o casamento já não rende mais sexual e amorosamente. Para abordar o patetismo das situações pós-conjugais, Mika resolveu adotar a mais desbragada comédia, beirando o besteirol.
Tuula e Juhani trabalham profissionalmente com consultoria sentimental e apoio motivacional, mas suas experiências profissionais de aconselhamento afetivo não lhes serve para resolver os impasses de sua vida conjugal e decidem assim se separar. Por dificuldades econômicas, resolvem permanecer morando na mesma vasta casa onde habitam sem filhos. Para que o período pós-conjugal se realize da maneira mais pacífica, estabelecem por escrito regras para a coabitação, entre as quais o primeiro mandamento é o de não trazer “novos amigos” para a casa. Mas o problema não são os novos, mas os antigos amigos, sobretudo quando já também descasados. O melhor amigo de Juhani decide lhe levar na primeira noite de recém-solteiro a uma espécie de Lapa, 40 graus de Helsinque onde a tarefa mais fácil é encontrar novos parceiros amorosos. Juhani, logo em sua primeira noite de liberdade, irá quebrar o pacto de convivência pacífica e convidar uma nova “amiga” para passar a noite em seu quarto, o que acabará despertando a fúria de sua ex-mulher.
Mulheres são vingativas e Tuula não perderá tempo em convidar um jovem com que teve um esporádico romance de férias para jantar em sua casa. Juhani, ultrajado, contrata, com seu meio-irmão, cafetão finlandês, uma moça para passar por sua namorada e despertar ciúmes em Tuula que contra-atraca se mostrando fogosa para o namorado mais jovem… Inútil tentar seguir o burlesco roteiro que inclui peripécias com a máfia estoniana e a polícia finlandesa.
O filme de Kaurismaki segue num crescendo de situações hilárias descambando para o pastelão e oferecendo certeiras risadas: quem, depois de certa idade, já não passou pela situação patética de uma guerra ex-conjugal onde as frustrações reprimidas pelo casamento explodem quando os laços matrimoniais são cortados, cada um tentando ferir o parceiro da forma mais insensata sob o temor da solidão futura?
É possível que o finlandês Kaurismaki tenha bebido neste filme na fonte do besteirol brasileiro e levado para a sofisticada e avançada Finlândia um pouco do cotidiano exótico brasileiro e do jeito latino de encarar a vida sexual e familiar com seus personagens à beira do cafona. Mas o melhor deste filme é a insinuação de que as sociedades mais avançadas não diferem muito dos centros urbanos periféricos, pois quando falamos de relações afetivas e amorosas, toda miséria é universal…