Relacionamentos nunca são fáceis. Num primeiro momento, tudo pode ser uma felicidade que parece nunca acabar. Mas, depois de um tempo, começam a surgir problemas, como a rotina e até a falta de comunicação entre o casal. Às vezes, apesar de várias tentativas, nada mais volta a ser como era antes e a situação pode chegar a um nível insuportável. Partindo deste princípio, o italiano Saviero Connstanzo escreveu e dirigiu o drama com toques de suspense “Corações Famintos” (“Hungry Hearts”). O filme, embora apresente algumas falhas, consegue prender a atenção e manter o espectador preso na cadeira para saber como tudo irá terminar.
A trama, ambientada nos Estados Unidos, mostra a relação entre o americano Jude (Adam Driver) e a italiana Mina (Alba Rohrwacher). Os dois se conhecem após ficarem presos num banheiro (numa cena bastante divertida) e logo engatam um romance. Eles passam a morar juntos e decidem se casar quando descobrem que serão pais. Os problemas começam durante a gestação, quando Mina ouve de uma uma cartomante que seu filho será uma criança índigo, com características especiais, e decide que não quer ser tratada pela medicina tradicional e coloca a própria saúde em risco. Para piorar, após o nascimento da criança, ela decide que o filho (cujo nome nunca é revelado) não vai comer alimentos industrializados e carne, pois acredita que esse tipo de comida vai intoxicar o bebê. A princípio, Jude não se opõe à esposa com suas determinações. Mas após uma consulta médica, ele descobre que o filho está mal nutrido e pode até mesmo ter problemas de crescimento, ou mesmo morrer. Começa, então, uma luta para que Jude consiga salvar o menino e, ao mesmo tempo, seu casamento e a sanidade de Mina.
O curioso em “Corações Famintos” está na forma encontrada por Constanzo em conduzir a sua história. Inicialmente, ela encontra elementos de filmes românticos americanos, culminando com a festa de casamento, para logo em seguida alterar o seu andamento, dando uma carga mais dramática que vai crescendo cada vez mais até o seu final, assim como suspense que se torna presente em alguns momentos. Essa mudança radical pode incomodar alguns espectadores. Mas quem conseguir embarcar na proposta com certeza ficará intrigado com o que é apresentado na tela. O diretor, no entanto, falha ao tentar causar tensão ao empregar de forma equivocada sua trilha sonora em algumas cenas. Um exemplo é num momento em que Jude tenta dar carne para o filho e Mina aparece inesperadamente. Do jeito que foi encenada, a cena funcionaria melhor se não tivesse nenhuma cena incidental, já que ela soa desnecessária e não ajuda no teor dramático daquele momento. Além disso, o cineasta decidiu utilizar uma lente grande angular para dar um clima maior de opressão no apartamento que o casal divide quando a crise chega a níveis alarmantes. Só que o efeito fica comprometido pela escolha de colocar a câmera sempre de cima para baixo (o chamado plongée), causando mais estranhamento do que intriga, algo imperdoável para quem deseja fazer suspense.
Felizmente, “Corações Famintos” se salva pela vontade de seus protagonistas de tornar seus personagens aceitáveis para o espectador. Adam Driver, que se tornou bastante conhecido com sua participação na série da HBO “Girls” (e que deve ficar ainda mais famoso quando estrear “Star Wars: Episódio VII), mostra que é um ator e tanto. Ele consegue fazer bem tanto Comédia (como mostra a cena em que conhece Mina) quanto Drama, especialmente nos momentos em que se desespera ao lidar com situações que não consegue compreender totalmente. Alba Rohrwacher também está ótima e faz de maneira exemplar a transição de sua personagem de uma pessoa aparentemente normal para uma mulher obcecada e cujo equilíbrio emocional vai se degradando cada vez mais, mesmo que não se dê conta disso. Os dois foram premiados no Festival de Veneza deste ano, devem ser lembrados em outras premiações e são realmente o grande destaque do filme.
Com um final bastante tenso e até mesmo surpreendente, “Corações Famintos” poderia ter um resultado final melhor se não fossem as escolhas equivocadas do diretor. Mas não deve ser menosprezado por causa do impacto gerado pelo conflito entre os seus protagonistas. Afinal, não é mesmo fácil manter um filme que transita por diferentes estilos numa única narrativa. Mas, neste caso, o saldo ficou levemente positivo, no fim das contas.