Festival do Rio: "Jornada ao Oeste"

O cineasta taiwanês Tsai Ming Liang é conhecido por levar às últimas consequências a estética contemplativa no Cinema. Essa que muitos cineastas asiáticos costumam apenas salpicar em suas criações, Liang transforma em essência. Isso não agrada a todos, é preciso uma certa paciência para penetrar na proposta artística do diretor. Demanda algum tempo, mas quando se chega à compreensão é até difícil não se tornar cúmplice da obra e se sentir instigado pelo próximo plano, enquadramento.
“Jornada ao Oeste” (Xi You, França/Taiwan, 2014) versa sobre a antítese de um homem exausto, prostrado à beira do mar e um monge budista caminhando pelas ruas da cidade francesa Marselha a passos morosos. Conforme ele caminha com suas vestes vermelhas pode-se observar o olhar de alguns passantes curiosos e a indiferença de outros, tão preocupados em resolverem seus problemas que ignoram o ser iluminado. E em alguns enquadramentos ele fica imperceptível até para o espectador mais desatento.  Essa também foi a proposta. Quando não está em primeiro plano, o monge só é notado depois de alguns minutos olhando para a tela com atenção. Sim, quando digo minutos, quer dizer que cada plano sequência dura minutos, como se fossem segmentos, com isso algumas “pegadinhas” são inseridas. Esses planos são colocados de maneira a serem observados como quadros em uma exposição, e Liang explora isso com maestria principalmente quando se utiliza de enquadramentos mais ousados.
A total desconexão do caminhar do personagem em relação ao dinamismo do seu redor deixa estabelecido um interessante contraponto, também evidenciado pelo tom vermelho de suas vestes gritantemente sobressalente dentro do espaço urbano. Essa composição dialoga com o consenso de que em uma metrópole cosmopolita é possível se assistir a um desfile heterogêneo tão vasto que nada é estranho aos habitantes. Se um alienígena descesse em uma dessas cidades, correria o risco de passar despercebido.
“Jornada ao Oeste” está longe de ser um filme fácil e palatável a qualquer audiência, mas para aqueles já familiarizados com a linguagem adotada pelo cineasta, será puro deleite. E para os que ainda não o conhecem, mas têm um apreço por uma estética mais contemplativa, é uma ótima oportunidade para se deixar envolver pelo desafio de 56 minutos proposto por Tsai Ming Liang. Afinal de contas, o papel da Arte também é nos tirar da inércia e do comodismo geralmente incentivados pelo convencional. Nisso o diretor acerta em cheio do primeiro ao último quadro de suas produções.

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