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Garotos de Programa – retrato nu e cru da juventude rebelde do finalzinho dos anos 80

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A primeira sequência de My Own Private Idaho de Gus Van Sant (1952), permite-nos saborear aquela sensação de perda, estranhamento e desolação a que o protagonista, Mike (River Phoenix), está condenado ao acordar subitamente num rua, da qual parece ser prisioneiro. Mike é um garoto que vive nas ruas de Portland, Oregon, com um grupo de jovens gigolôs, incluindo Scott (Keanu Reeves), seu cúmplice e amigo mais próximo e de maior confiança.

Quando não está consciente, Scott cuida dele, um jovem rebelde de origem de classe média – seu pai é o prefeito da cidade – que optou por levar uma vida diferente daquela que seu pai esperava. Mike sofre de narcolepsia: muitas vezes cai no chão como se estivesse no auge de um ataque epiléptico, mas são estados patogénicos que o mantêm numa dimensão entre a vigília e o sono, em que muitas vezes revive momentos do seu passado, sonhando com sua infância e de ainda estar com sua mãe, figura pela qual sofre uma obsessão dolorosa.

Garotos de Programa (1991), um road movie que nos leva de Portland a Idaho, uma interpretação livre de Henrique IV de William Shakespeare, é construído como uma elegia que fala da eterna busca por um lugar, um lugar do passado para o qual retornar. Gus Van Sant nunca constrói uma narrativa simples, opta por utilizar muitas imagens repetitivas – como um retrato mental que se repete, uma história congelada no tempo – planos simbólicos, como que para formar uma estrutura elíptica para promover uma atmosfera onírica. Mike vive em um mundo irreal, sofre uma contínua dissociação da vida e é um personagem cheio de abismos.

A narcolepsia lhe causa vários problemas; problemas de espaço, especialmente espaços fechados que o lembram de sua casa de infância, e problemas de tempo: Mike perde a noção de seu ser no mundo, seu passado é uma ferida pulsante que nunca cicatrizou e que o afeta profundamente tanto quando está consciente quanto em estado de inconsciência. Mike vive com um pé na rua e o outro eternamente plantado na terra dos sonhos. Ele conhece apenas uma forma de amor: amor físico, brutal, erótico, amor pago, carnal e sem emoção; a outra forma de amor que deveria ser conhecida por ele, o familiar, ele foi totalmente privado.

Gus Van Sant escreve uma história de prostituição, de jovens – quase ao estilo Pasolini – e de homens solitários, mas não mais solitários do que os homens que os pagam. Uma meditação essencial sobre o desejo dos homens e entre os homens (feita numa época em que Hollywood não sabia o que fazer com esse desejo). Uma história que talvez não leve a lugar nenhum, que passa muito tempo observando o tecido onírico, desfiando-o e devolvendo-o como um novo material, como uma imagem sempre nova.

The Beautiful and the Damned é uma história de desejos desfeitos, de vidas passadas que voltam para coçar as palmas das mãos, é a história de Mike, profundamente ferido quando criança, que busca refúgio e amor, é a história de Scott, que espera herdar a riqueza de seu pai, como fez o jovem príncipe de Gales, Hal, no drama shakespeariano, esperando assumir seu lugar na sociedade, um lugar que, evidentemente, não tem espaço para um homem como Mike.

Uma história de regressos contínuos, de imagens repletas de sinais, de símbolos, de amores negados, de sentimentos inconciliáveis ​​com a realidade. Um drama sem fronteiras, em que o protagonista vive para sentir o pulsar de uma memória apagada, num tempo em que os dias parecem evaporar-se, flutuar, sem que ninguém os consiga segurar. Garotos de Programa (1991) testemunha o seu realismo psicológico, a sua forma de se cruzar com o teatro, é algo poderoso e delicado ao mesmo tempo; a suntuosa e visceral interpretação de River Phoenix – premiado em Veneza com a Coppa Volpi de melhor ator – é a confirmação do quão talentoso e capaz ele era como ator, e não só: Phoenix também reescreveu uma das mais belas cenas do filme (quando Scott e Mike estão juntos ao redor do fogo) demonstrando o quão empático, consciente e péssimo ele era.

Homenagem póstuma: Mickey Cottrell (1944-2024)

Mickey Cottrell, um veterano publicitário de Hollywood e ator de cinema e televisão, que apareceu em Star Trek e Garotos de Programa (My Own Private Idaho, 1991), faleceu aos 79 anos. Cottrell morreu no dia de Ano Novo no Motion Picture & Television Country House and Hospital (tipo um Retiro dos Artistas) em Woodland Hills, em Los Angeles, Califórnia.

Cottrell passou mais de quatro décadas nas indústrias de cinema, televisão e relações públicas depois de crescer em Little Rock, Arkansas, e frequentar a Universidade de Arkansas.Depois de fazer sua estreia como ator nas telas como Daddy Carroll em My Own Private Idaho, de 1991, Cottrell consolidou sua presença na tela com papéis notáveis ​​​​em Star Trek: The Next Generation e Star Trek: Voyager na década de 1990.

Bill Murray, Allison Davies e Mickey Cottrell em 
Ed Wood (1994). TOUCHSTONE/ALAMY BANCO DE IMAGEM

Segundo a IMDb, ele também apareceu em filmes como Trapaças do Coração (Paper Hearts, 1993), Ed Wood (1994), Hellraiser: Bloodline (1996) e O Aprendiz (Apt Pupil, 1998). Seu último papel na tela foi I Do, de 2012 . Cottrell atuou como publicitário em mais de 100 filmes ao longo de sua carreira, incluindo Meu amante é de outro mundo (Earth Girls Are Easy, 1988), Até as Vaqueiras Ficam Tristes (Even Cowgirls Get the Blues,1993) e Terror a Bordo (Dead Calm), um thriller de 1989 estrelado por Nicole Kidman, Sam Neill e Billy Zane.

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Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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