Em 2000, Ridley Scott abraçou o gênero toga e sandália, que parecia esquecido por Hollywood, e deu ao mundo “Gladiador“, não só muito bem recebido pela crítica e o público, como pelos membros da Academia, consagrando-o vencedor da cerimônia de 2001. Foram mais de duas décadas de especulação – inclusive aquela mais absurda de um Maximus ressuscitado e convertido em “Highlander” (!!!) – e agora chega o “Gladiador 2”, mais uma vez sob a batuta de Scott. A pergunta paira no ar: como continuar a história sem a presença do protagonista do filme original, interpretado por Russell Crowe?
A história se passa 16 anos depois, quando Roma, que já começara a ruir no longa anterior, agora está praticamente em colapso sob o governo de dois irmãos imperadores sedentos por sangue e com ambição inversamente proporcional à capacidade administrativa. Agora temos um novo gladiador, que segue uma trajetória bem semelhante à de Maximus. De escravo a gladiador ídolo do Coliseu. Admirador de Maximus, Lucius (Paul Mescal) trilha esse caminho para buscar a almejada vingança contra o general Acacius (Pedro Pascal) e seus superiores. Para isso ele vai contar com a ajuda de Macrinus (Denzel Washington), um treinador de gladiadores que também esconde um plano.
Passados quase 25 anos, Scott mostra que continua bastante confortável com o épico e as grandes escalas. Isso ficou bastante óbvio em “Cruzada” e no recente “O Último Duelo”, seu melhor filme em anos. Mesmo o bastante irregular “Napoleão” mostra que o diretor ainda possui domínio sobre a grandiosidade. Em “Gladiador 2” ele pôde voltar ao Coliseu de Roma em toda a sua glória de CGI, assim como a reconstituição da capital do império da antiguidade.
Algumas passagens que tiveram que ser retiradas do primeiro filme puderam ser inseridas aqui, como a batalha contra o gladiador montado em um rinoceronte. A sequência estava toda esquematizada, inclusive o paquiderme já estava disponível. Mas o estúdio vetou a verba e Scott teve que se contentar com um tigre. Agora, graças à tecnologia lá está o seu rinoceronte na arena romana. Mas posso adiantar que a sequência fica um pouco aquém do que prometia no quesito emoção.
As cenas de lutas de gladiadores dessa vez abraçam o absurdo sem a menor cerimônia como a reconstituição da batalha naval dos persas contra troianos, com duas embarcações em um Coliseu transformado em piscinão com tubarões. Só que todo esse espetáculo está muito mais a serviço da ambição do diretor do que da história a ser contada, que sofre com algumas incoerências e pontos não explicados.
O roteiro de David Scarpa (“Napoleão”) busca justificar a existência dessa continuação desnecessária, uma vez que o primeiro filme era claramente uma história fechada. O argumento assinado por ele junto com Peter Craig (“The Batman”) é hábil em viabilizar a continuidade da trama, ainda que por um caminho que merecia mais clareza, ao mesmo tempo que adiciona novos elementos para sustentá-la. A questão é que há aparentes mudanças de curso no objetivo de personagens que esvaziam o peso dramático pretendido. O já citado CGI tem momentos de excelência na maior parte do tempo, porém há alguns que beiram o constrangimento. E, sim, os erros históricos estão ali, como estavam no predecessor. Mas fica claro que esse aqui é bem menos comprometido com a História.
Paul Mescal se sai bem como novo protagonista, mesmo sem a robustez do antecessor. Ele consegue ser convincente no lado mais dramático, ainda que pareça ir se diluindo ao longo da trama. Pedro Pascal defende seu personagem com a tradicional competência e forma um ótimo par com Connie Nielsen, que ganha ainda mais relevância como Lucilla. Denzel Washington é o grande destaque, assim como fora Oliver Reed no longa anterior, inclusive exercendo a mesma função. Ainda que com um arco que se revela simplista no fim, o ator proporciona uma atuação pomposa sendo o dono do show toda vez que entra em cena.
“Gladiador 2” mantém-se fiel à grandiosidade do predecessor, o que ajuda a camuflar os deslizes. Ridley Scott sabia que se ele não fizesse um novo Gladiador, alguém o faria, seguindo o mesmo pensamento que o levou a retomar “Alien”. Porém foi muito mais feliz nessa retomada do oscarizável, que, ao contrário de muitas continuações de produções marcantes, mostra dignidade em existir, sem deixar traumas no legado do clássico.