Já faz algum tempo que Hollywood está de olho em mercados internacionais, tanto para obter investimento em outras terras, quanto para conseguir dinheiro suficiente para pagar a conta de suas produções cada vez mais caras, graças aos ingressos vendidos fora dos Estados Unidos. Tanto que executivos da indústria cinematográfica americana têm forjado alianças com outros países, especialmente da Ásia, para garantir que seus projetos saiam do papel e, se possível, gerem um lucro que já não é mais garantido na terra do Tio Sam.
Um exemplo claro foi o que aconteceu com “Warcraft: O encontro entre dois mundos”, que foi um enorme fracasso em sua terra natal, mas lotou os cinemas da China, o que fez com que seus enormes gastos fossem pagos e até se cogita uma continuação (que já estava sepultada) só devido a esse resultado. Já um espectador mais atento vai reparar que, em alguns blockbusters recentes, como “Star Trek: Sem Fronteiras” ou “xXx: Reativado”, aparecem nos créditos de abertura nomes de investidores vindos da Índia, do Japão ou da China, que oferecem os recursos necessários para que certos filmes consigam ser exibidos mundialmente e todos acabem contentes com os resultados obtidos nas bilheterias.
O que nos leva a “A Grande Muralha” (“The Great Wall”, 2017), produção que escancara de vez a aliança cinematográfica entre Estados Unidos e China com uma aventura de tons épicos sobre uma lenda chinesa estrelada por um grande astro americano, para agradar aos dois mercados e, assim, conseguir vender uma quantidade absurda de ingressos não só nesses países, mas também em vários outros pelo mundo. Realmente a ideia é muito boa, do ponto de vista econômico. Mas faltou combinar com os envolvidos na parte artística de que, mesmo com os milhões de dólares investidos, era necessário fazer um filme que realmente funcionasse como bom cinema, o que infelizmente não aconteceu aqui.
A história se passa no século XV e é centrada na dupla de mercenários William Garin (Matt Damon) e Pero Tovar (Pedro Pascal), que deixaram a Europa e foram até à China em busca de um pó preto (mais conhecido como pólvora) que seria capaz de derrotar exércitos com o seu poder. Após um estranho incidente e fugindo de um grupo de inimigos, William e Tovar chegam à Grande Muralha, protegida por guerreiros da Ordem Sem Nome, liderados pela General Lin (Jing Tian), pelo General Shao (Zhang Hanyu) e pelo estrategista Wang (Andy Lau). Lá, eles também conhecem Ballard (Willem Dafoe), que acabou parando na muralha quase que da mesma maneira que os mercenários. Por uma incrível coincidência, os dois chegam ao local no exato momento em que terríveis criaturas que surgem a cada 60 anos estão prontas para realizar um mortífero ataque contra os humanos, e cabe ao grupo impedir que este grande perigo avance em direção à capital chinesa. William e Tovar acabam se destacando no meio da batalha contra os monstros, mas entram em conflito sobre seu papel no combate.
O que torna “A Grande Muralha” um filme de encher os olhos é sua incrível cinematografia, assinada por Stuart Dryburgh e Zhao Xiaoding, com cenas de batalha impressionantes devido a grande quantidade de elementos vistos na tela, mas que não causam confusão para quem as assiste.
A câmera registra os conflitos de maneira enérgica e consegue dar a imponência necessária para tornar essas sequências realmente empolgantes, como por exemplo no momento em que os guerreiros saltam da ponta da Grande Muralha, sustentados apenas por uma corda, para lutar contra os seus inimigos. Essas cenas possuem uma beleza que lembram um balé ou uma exibição do Cirque du Soleil que certamente deixarão o público encantado.
Outro elemento que merece destaque é a direção de arte e figurinos, em particular as armaduras dos soldados e da General Lin, que parece ter saído direto de um anime ou um mangá, até mesmo o penteado remete a um personagem típico desta arte que possui tantos fãs pelo mundo.
O problema é que, mesmo com todo este desbunde estético, “A Grande Muralha” empalidece principalmente pela direção e pelo seu roteiro. O chinês Zhang Yimou, que se tornou conhecido dos cinéfilos por dramas como “Lanternas Vermelhas” e épicos como “Herói” e “O Clã das Adagas Voadoras”, aqui não parece tão à vontade quanto em trabalhos anteriores. Embora ainda demonstre sua incrível capacidade de criar cenas belíssimas, o cineasta não consegue dar a sensação de real perigo e urgência para que possamos nos importar com os personagens e os riscos que correm ao enfrentar os monstros.
As criaturas, aliás, nunca parecem ser convincentes, parecendo saídas de um vídeo game do Playstation 2 (tá bom, vá lá, no máximo do 3). Nem dá para acreditar que elas foram desenvolvidas pela Industrial Light and Magic, responsável por alguns dos mais marcantes efeitos especiais do cinema, como os da saga “Star Wars” ou “Jurassic Park” – cujos velociraptors certamente serviram de inspiração para o seu design. Até mesmo na forma com que “comunicam”, dando uma sensação de déja vu.
Outra decepção é quando descobrimos que o roteiro do filme foi escrito por Carlo Bernard e Doug Miro (que têm em seu currículo o texto de “Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo”, além de episódios da série “Narcos”) e Tony Gilroy (dos quatro primeiros filmes da série “Bourne”, estrelada por Damon, “Advogado do Diabo” e “Rogue One: Uma História Star Wars”). A trama criada por eles é entupida de incongruências e clichês, especialmente no que se refere aos conflitos do protagonista que lembram os encontrados em “Dança com Lobos” ou “O Último Samurai”, mas que não são mostrados de forma convincente, especialmente no que se trata da mudança de opinião de William em relação aos guerreiros. Para piorar, os momentos de humor nem sempre funcionam e geram, no máximo, um sorriso no canto da boca do espectador.
Principal nome do elenco, Matt Damon se sai bem nas cenas de ação, embora não impressione como nos filmes em que interpreta Jason Bourne. Porém, na parte dramática, o ator nunca se destaca, dando a entender que preferiu ligar o seu “piloto automático” para a sua atuação e nunca desperta empatia com a sua performance. O chileno Pedro Pascal, visto em séries como “Game of Thrones” e “Narcos”, não se sai muito bem como o alívio cômico da história e não parece muito entrosado com Damon. Willem Dafoe, embora use mais uma vez sua já conhecida eficácia para interpretar personagens ambíguos, já teve melhores momentos num passado não muito distante. No entanto, os chineses Jing Tian e Andy Lau marcam presença tanto nas sequências de batalha quanto nos mais tensos dramaticamente falando.
Com um orçamento de cerca de US$ 150 milhões (!!!), “A Grande Muralha” resultou num belo, porém esquecível épico, que só justifica a sua existência pela necessidade de ser um produto feito para agradar a gregos e troianos (no caso, americanos e chineses). Com tanta gente boa e competente envolvida neste projeto, era de se esperar um resultado mais arrebatador e marcante. Do jeito que ficou, só mesmo os fãs mais ardorosos de Damon devem achar o filme memorável. Quem não for, vai achar a produção um mero passatempo. Pouco para as suas ambições. Talvez os seus realizadores tenham mais sorte na próxima vez.
Filme: “A Grande Muralha” (“The Great Wall”)
Direção: Zhang Yimou
Elenco: Matt Damon, Pedro Pascal, Willem Dafoe, Tian Jing, Hanyu Zhang e Han Lu
Gênero: Aventura
País: EUA/China
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Universal Pictures
Duração: 1h 43 min
Classificação: 12 anos
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