Embora já amplamente debatidos e ligeiramente saturados na memória nacional, os filmes da franquia Tropa de Elite ainda rendem certas discussões, sobretudo em relação à polêmica utilização da violência no cinema. A violência que, tal qual o sexo, vende e alimenta um número cada vez mais abrangente de expectadores. Esse artigo procura observar o poder de venda e o fascínio que essa violência dita artística exerce sobre seu público-alvo, tendo como objeto principal o filme Tropa de Elite 2.
Nessa segunda parte da aclamada produção brasileira, mudam-se os inimigos, mas a guerra continua a mesma. Combatendo a violência com mais violência, Capitão Nascimento (Wagner Moura) encontra-se agora, treze anos após os acontecimentos do primeiro filme, nomeado subsecretário de inteligência. Engravatado e encerrado em seu escritório espaçoso no topo de um edifício imponente do Rio de Janeiro, Nascimento troca o dia-a-dia violento das favelas pela burocracia do que ele chamará de Sistema. O Sistema alimenta o tráfico, alimento o morro, alimenta a violência e a corrupção dos policiais que se convertem em milícias. E é esse o ponto que o diretor José Padilha quer expor nessa seqüência. Enquanto na primeira parte os traficantes eram o estopim da batalha, em Tropa de Elite 2, o inimigo é a própria polícia, que inserida no já mencionado Sistema, assume o espaço antes ocupado pelos traficantes, e se autodenominam lei. Lançado em 8 de outubro de 2010, ano de eleições, o longa-metragem traz políticos corruptos como um dos temas prioritários, sendo a política a própria encarnação do Sistema, e “o sistema é foda”, nas famosas palavras do protagonista. No âmbito familiar, Nascimento está divorciado, e seu filho, agora adolescente, tem se espelhado e respeitado muito mais o padrasto que o pai.
Se comparado ao primeiro filme, Tropa de Elite 2 é consideravelmente mais econômico nas cenas de violência, mais preocupado com um roteiro cheio de diálogos, profundidade e crítica social. A violência é agora mais discutida que exposta, tendo em foco suas causas e conseqüências: o ciclo socioeconômico que a promove. São claros exemplos desse aspecto na trama, o clássico governador à venda, o secretário de segurança indiferente a realidade carioca e o Deputado Fortunato que critica com eloqüência a violência em seu programa de televisão e a patrocina com dinheiro dos cofres públicos em troca do apoio político dos milicianos.
“O ser humano tem prazer nas imitações”, segundo Aristóteles, mesmo a violência crua que imita com fidelidade à realidade brasileira atual. É característica da arte a moldura, o enfeite das situações retiradas do cotidiano. A arte encontra prazer na dor – e beleza na violência. O cinema quando retrata a violência, mesmo a rotineira, posta bem debaixo dos olhos da sociedade, ele a reveste de um pano artístico, esse pano embora por vezes choque, não se compara ao terror e a reação do indivíduo ao acontecimento real. A ficção é um contrato, onde o espectador aceita que aquela violência apresentada sob os moldes da arte é real apenas num plano de idéias, não o ofendendo ou afetando fora da sala de cinema – pelo menos não de forma direta.
A violência no cinema instiga, envolve e mantém o indivíduo conectado ao enredo; o sangue, os tiros, os corpos, são elementos que na arte produzem atração e beleza, enquanto na realidade da vida cotidiana promovem a pura e simples repulsão. Em Tropa de Elite 2, a violência é utilizada como crítica, como denúncia, um pedido de socorro para um problema social. É um alerta. É recurso da arte e deve ser entendido como tal, não como culto, exaltação ou banalização do crime, do assassinato, do tráfico e etc.
No contexto brasileiro, o prazer na violência pode provir também dessa sensação de impunidade difundida no país, principalmente no que cerne as diferenças de classe social. A sensação de justiça, do olho por olho, dente por dente é particularmente recompensadora para o espectador, esse aspecto torna-se bastante evidente quando em dado momento do filme, Nascimento empolga o público do cinema ao espancar o governador corrupto, que senão pela violência física, na justiça comum não teria pagado por seus crimes. Aqui se caracteriza um processo denominado catarse, quando o indivíduo libera o sentimento retraído através da empatia com o personagem principal.
Portanto, eis o fato: violência vende, convence e é cada vez mais constantemente mãe das grandes produções. Assim, o sangue fictício somado a realidade brasileira atual encaminham Tropa de Elite para sua óbvia consagração.
É engraçado o que você falou, a violência apresentada na ficção realmente não choca ou prepara as pessoas para viver situações semelhantes na vida real. Na verdade não só a violência, mas qualquer experiência. Mesmo com todo aumento de tecnologia, existe uma espécie de freio de segurança nos animais que interpreta diferente a realidade da ilusão…
Gostei de verdade….parabéns pelo ótimo texto.Geralmente não comento nada mas esse vale a pena.Você pegou exatamente o que o contexto de violência transmite na tela de cinema. E isso se abranje em todos os meios de entreterimento. Cinema, games, livros, quadrinhos. Passa uma mensagem mas não te mostra o que é a realidade e não te torna nem frio nem indiferente a ela e nem te transforma em um psicopata assassino…
Exato, Celso, a proposta era justamente essa, tentar entender um pouco da diferença na reação do indivíduo diante da ficção e da realidade. Obrigado e até mais.