Eterno apaixonado por monstros, Guillermo Del Toro não perde a oportunidade de participar de projetos envolvendo criaturas sinistras que tiram o sono de pessoas que acabam (voluntariamente ou não) entrando em seu universo. O carinho demonstrado pelo cineasta mexicano por estes seres fantásticos até ajudou a render um Oscar em sua carreira por seu trabalho no laureado “A Forma da Água” em 2017, e agora, dois anos depois, Del Toro assume a produção e o roteiro de “Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro” (“Scary Stories to Tell in the Dark”, 2019), que procura adaptar alguns dos contos escritos por Alvin Schwartz e que se tornaram famosos graças às ilustrações de Stephen Gammell. O resultado é um filme interessante na concepção das criaturas, mas que não chega a causar medo de verdade e é pontuado por alguns sustos, mesmo que sejam pouco memoráveis.
Ambientada em 1968, a trama se passa na cidade de Mill Valley, onde vivem os amigos Stella (Zoe Colletti), Augie (Gabriel Rush) e Chuck (Austin Zajur). Na noite de Halloween, o trio acaba conhecendo o forasteiro Ramon (Michael Garza) e o convence a ir à antiga mansão abandonada da família Fellows, onde, reza a lenda, estaria o espírito de Sarah Fellows, uma jovem perturbada que acabou confinada dentro do porão da casa e escrevia histórias de terror.
Stella acaba encontrando o livro de Sarah e o leva para ler e saber um pouco mais sobre o seu passado. Só que ela descobre que as histórias são capazes de despertar terríveis monstros, que surgem para assombrar seus amigos e algumas pessoas ao redor. Assim, a jovem busca uma maneira de evitar que o pior aconteça com todos, ao mesmo tempo que procura por respostas sobre os segredos envolvendo os Bellows.
À primeira vista, “Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro” parece ter a mesma dinâmica de “Goosebumps: Monstros e Arrepios”, já que a premissa do roteiro, escrito por Dan Hageman e Kevin Hageman, além do próprio Del Toro, é bem semelhante, em que jovens precisam lidar com monstros saídos de páginas de livros. Só que, ao contrário do filme protagonizado por Jack Black, aqui a trama é levada mais “a sério” e há um envolvimento psicológico mais aprofundado entre os jovens e as criaturas, já que elas representam seus medos mais escondidos e, como eles descobrem, nem sempre é fácil encará-los.
Talvez esse seja um dos principais motivos que levou Del Toro a se envolver com essa produção. Afinal, este é um tema que o diretor adora trabalhar em suas obras, como “A Espinha do Diabo” ou “O Labirinto do Fauno”. E isso é um ponto positivo para o filme.
Só que, com algo tão rico para desenvolver, fica difícil de entender porque o diretor André Øvredal (do suspense “A Autópsia”) resolveu filmar boa parte das cenas do ataque dos monstros com uma fotografia (assinada por Roman Osin) tão escura que quase impede de enxergar alguma coisa, o que anula a tensão necessária para fazer essas sequências funcionarem. Porém, elas ainda assim causam algum nervosismo, ao contrário do péssimo “Slender Man – Pesadelo Sem Rosto”, que cometia o mesmo pecado.
O diretor, ao menos, consegue criar momentos que podem fazer os espectadores mais sensíveis embrulharem o estômago. Um bom exemplo disso é uma cena envolvendo uma sopa, realmente asquerosa, principalmente para os amantes deste tipo de prato.
Onde parece ter realmente ter entrado um dedo de Del Toro em “Histórias Assustadoras” é no design das criaturas, que parecem ter saído de pesadelos, como Harrold, o Espantalho, ou o Homem Furioso, embora um deles lembra um pouco os alienígenas que destroem a Terra em “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, só que com a pele mais esbranquiçada. Mesmo assim, os monstros são o grande destaque do filme e são a coisa mais memorável do longa.
Num elenco formado por boa parte de atores desconhecidos (a não ser Dean Norris, que ficou bastante popular por sua participação nas séries de TV “Breaking Bad” e “Under the Dome”), o destaque vai mesmo para a jovem Zoe Colletti, que consegue transmitir autenticidade como Stella, que além de mostrar medo e desespero por ter de lidar com algo que não compreende totalmente, ainda precisa lidar com seus traumas pessoais. Ela é a única com quem o público pode simpatizar e torcer para que não tenha um destino cruel. Já os seus colegas não saem do lugar comum e nem são bem sucedidos em fazerem seus personagens mais marcantes, por mais que se esforcem. Mas podem ter uma sorte melhor no futuro.
Como tem sido de praxe, “Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro” termina com um gancho óbvio para haver mais continuações nos próximos anos. Até porque o autor Alvin Schwartz escreveu diversos livros sobre essa temática e que podem render várias sequências cinematográficas se o público abraçar essa ideia. Do jeito que ficou esta primeira parte, é apenas um terror correto que só deve impressionar os pouco conhecedores do gênero. Talvez se Guillermo Del Toro tivesse assumido a cadeira de diretor, o resultado seria bem mais interessante. Afinal, apesar de errar em “A Colina Escarlate”, ele é um dos caras do momento se o assunto for monstros e escuridão.