O mundo da música é repleto de histórias que rendem facilmente uma trama hollywoodiana. A trajetória de Whitney Houston é uma das que parecem escritas por um roteirista de cinema. Ali há todo o revestimento para um drama de deixar o espectador com os olhos pesando de lágrimas, como um casamento problemático, uso e abuso de álcool e drogas ilícitas, além do peso de lidar com a fama e os problemas colaterais advindos dela. Com isso, “I Wanna Dance With Somebody – A História de Whitney Houston” entra com o jogo ganho, contando em forma de superprodução a jornada da cantora, falecida em 2012.
O roteiro acompanha a estrela da música do início da carreira, quando cantava na banda de sua mãe, à descoberta por uma grande gravadora até se tornar uma das cantoras mais famosas do mundo graças a uma voz inigualável e chamar atenção da imprensa marrom com seu conturbado relacionamento com o rapper Bobby Brown.
Resumir a vida de um grande nome da música em duas horas é uma tarefa ingrata, na qual muitos fatos relevantes são suprimidos em benefício da fluidez no andamento da trama, que não pode ser direcionada unicamente para os fãs do artista em questão. A produção (acompanhada de perto pela família da cantora) optou por não esmiuçar questões controversas, mostrando superficialmente o que era assunto por semanas nos tabloides dos anos 90, causando o esvaziamento do potencial dramático da história. Ocorre que, mesmo prestando tributo, o filme escorrega ao mostrar os feitos da cantora editados como um videoclipe.
O roteiro é de Anthony McCarten, o mesmo que assinou “Bohemian Rhapsody”, e é possível detectar as similaridades entre as obras. Além da superficialidade com que narra os fatos, ele coloca as conquistas se sucedendo como passes de mágica, só que sem o tom épico que conferiu graça à cinebio do Queen. Se aqui as polêmicas foram minimizadas, a emoção também. E como a história da Whitney Houston é contada do início ao fim, ao contrário de “Bohemian” compreende a carreira do Queen até determinado momento (seis anos antes da morte de Freddie Mercury), supressões incômodas – inclusive de músicas da cantora – foram feitas para que tudo coubesse nas 2h26.
Contudo, erros históricos e cronológicos grosseiros, pelos quais até hoje o oscarizado longa é lembrado, não grassam tanto nessa produção, apenas a inevitáveis ligeiras modificações para uma adequação à linguagem cinematográfica.
McCarten repete a estrutura de script da biografia anterior: ascensão, apogeu, problemas pessoais e na carreira e volta por cima. O que não deixa de ser o senso comum ao se biografar um grande nome da música na telona ou na telinha.
Como se trata de um produto exaltação avalizado e produzido pelo empresário da cantora, Clive Davis (que é brilhantemente interpretado por Stanley Tucci), a direção de Kasi Lemmons (“Harriet” e um episódio de “Luke Cage”) fica engessada à retidão, com enquadramentos e edição bastante convencionais. Ainda assim não deixa de ser competente, sobretudo na direção de atores.
Há de se observar também os momentos em que são utilizados efeitos especiais, que deixam bastante a desejar. Mais uma vez comparando com “Bohemian Rhapsody”, houve uma tentativa de repetir a montagem de multidão em um estádio como na impressionante reconstituição do show do Queen no Live Aid, mas aqui o resultado ficou artificial. Na reconstituição do Super Bowl XXV em 1991, no qual Whitney cantou o hino norte-americano, os caças sobrevoando o estádio lançando fumaças com as cores da bandeira foram gerados em um CGI digno de telefilme bem baratinho.
A atuação de Naomi Ackie (a Jannah de “Star Wars: A Ascensão Skywalker”) é o grande trunfo do filme. Apesar de, como Rami Malek, não cantar (apenas em um momento à capela), ela reproduz milimetricamente as performances de Whitney Houston nos palcos. Todos os maneirismos da cantora, até as risadas agudas, foram seguidos à risca pela composição da atriz.
Se você sentir falta de uma abordagem mais detalhada do relacionamento conturbado com Bobby Brown (Ashton Sanders, um pouco acima do tom), deve procurar o telefilme “Whitney” (2015), dirigido por Angela Bassett, que foca na vida do casal. Aqui o casamento é quase uma mera citação. “I Wanna Dance With Somebody” se vale mesmo da celebração, e como tal até funciona em boa parte do tempo, podendo agradar a fãs e ao público geral. Mas como a cinebiografia definitiva a que se propõe, ficou pelo meio do caminho.
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