O cinema contemporâneo tem se pautado muito na dialética da icomunicabilidade. Do cinema sujo e visceral de Alejandro González Iñarritu à elegância passional de Sofia Coppola. Em O Discurso do Rei (The King’s Speech, Inglaterra, 2010), indicado a impressionantes 12 Oscar, essa vertente é traduzida de forma mais pessoal, e porventura, mais centrada na figura do indivíduo. Com direção de Tom Hooper, a produção inglesa retrata a amizade entre o rei George VI, interpretado com apuro e sensibilidade por Colin Firth, e seu terapeuta da fala, Lionel Logue, vivido por Geoffrey Rush. Logue, um plebeu australiano, ator frustrado e um tanto desencanado, torna-se amigo de um rei gago que, pela oratória, precisa imprimir estabilidade política e assimilável a seus súditos num momento em que a Segunda Guerra Mundial apresenta-se na iminência de eclodir.
A construção dramática que existe na trama de um Rei gago, perante o constrangimento mútuo de uma nação é muitíssimo bem engendrada pelo roteiro David Seidler que dinamiza a relação do rei com seu terapeuta de forma orgânica e, por vezes, com humor tipicamente inglês e auto-explicatico.
A monarquia inglesa é tema recorrente nas grandes premiações americanas e isso faz parecer c0m que a Academia seja bem reverente a liturgia que a família Real inside. Tanto que o espetacular A Rainha foi incensado até mais no mercado americano que no britânico. O Discurso do Rei, dentro desse contexto, peca por dois agravantes: primeiro, pelo fato de suplantar acontecimentos históricos que qualquer adolescente que tenha prestado um pouco de atenção nas aulas de História Geral sabe. O Rei Eduardo VIII, no filme vivido pelo sumido Guy Pierce, aparece na história apenas como um bom vivant que abdica do Trono por estar apaixonado por uma americana desquitada. Banalização desnecessária do fato dele fazer parte de uma das correntes inglesas simpatizantes de Hitler. Inclusive o próprio rei gago também era um simpatizante do nazismo e anti-semita. Particularmente sou defensor da ideia de que um filme tem de ser analisado pelo que se propõe a contar, portanto, se a ideia era falar sobre como uma deficiência oral de um homem no poder afetava sua relação com o mesmo, não importam as concessões que o roteiro faça para tal; mas o filme abre espaço para um antagonismo entre a corte inglesa e o crescimento do nazismo, ainda que de forma bem discreta. Ou seja, o atrito ficção versus fato acaba por gerar um incômodo descompasso histórico do que se passa na tela.
O segundo grande problema (ou não, depende mesmo de um ponto de vista) é que mesmo o filme tendo ganhado todos os prêmios dos Sindicatos – Produtores (melhor produção do ano), dos diretores (melhor diretor ) e, finalmente, dos Atores (que lhe deu o premio máximo de melhor elenco) – ele é classicista demais em sua concepção geral. Tudo muito redondinho, sob verniz inglês de direção de arte e estrutura narrativa convencional. Isso vem a ser um pecado? Talvez sim, talvez não. Mas me remete ao notável “O curioso caso de Benjamim Button” de David Fincher, em 2009, que era tão perfeitinho que irritava. Parece que existe uma amarra ortodoxa que até em seu momento mais catártico soa anti-climático e deveras frio.
É impossível dizer que se trata de um filme ruim. Mas é fácil observar suas concessões para uma possível perfeição. Em todo caso é bom se firmar na inusitada ideia de escalar a subestimada Helena Bohan Carter (perfeita) para o papel de Rainha Mãe… É no pouco de ousadia que tem que o filme se redime…
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