Poucas vezes o cristalizado panteão das indicações ao Oscar se abrem para o reconhecimento multinacional da sétima arte. A grande atriz Fernanda Montenegro foi uma das últimas a ser indicada a Melhor Atriz, numa produção de língua não-inglesa (a obra-prima Central do Brasil), e isso na década de 90.
Javier Bardem é outro que conseguiu furar esse “barreira”. Mesmo que já tenha o reconhecimento do mundo e de Holywood, com seu Oscar de ator coadjuvante e sua importância no meio; e o filme em questão, Biutiful, seja de Alejandro Gonzalez Iñarritu, um diretor latino, mas prolífero no mercado internacional, não dá para não reconhecer que o astro tenha conseguido o feito, por sua interpretação, através de um filme espanhol.
Biutiful é a controvérsia da trágica vida de Uxbal (personagem Javier Bardem) pai de dois filhos e que descobre que está com câncer, em fase terminal. O filme expõe a luta pela sobrevivência do personagem em meio ao convívio marginalizado de sua realidade (explorar o mercado de imigrantes ilegais e produtos piratas), que influencia diretamente nas complexidades e retóricas de suas emoções: é um homem de humanidade ressentida siante de um mundo que não o deixa trabalhar isso em si.
Bardem é espetacular na composição de seu Uxbal onde explora na contenção os extremos de sua personagem. O roteiro, também de Iñarritu, também estabelece muitas oportunidades para o Bardem brilhar, inclusive quando denota certa paranormalidade de Uxbal, dom extraordinário que o mesmo corretamente não espetaculariza em vão. É num misto de dor e consternação que o ator defende as atitudes um tanto questionáveis de seu papel.
O diretor, rompendo uma longa e polêmica parceria com o roteirista e escritor Guillermo Arriaga, mantém o pessimismo humanístico de seus filmes anteriores (Babel, 21 Gramas e Amores Brutos) mas deixa os “esquematismos” de lado para investir na densidade de seus personagens como alavanca única de sua narrativa. Com isso ganhou mais respaldo de similaridade com a vida. Não uma similaridade do olhar, dos que compartilham desta visão desencantada do seu meio, mas a similaridade de um estado de espírito comum a qualquer pessoa. Uxbal é o signo de um momento para muitos, e também, lamentavelmente, a vida propriamente dita de alguns. Conseguir isso torna qualquer tentativa de entender o indivíduo por uma equivalência espacial bem primária. Não que seus filmes anteriores sejam equivocados, mas exigiram menos de criador, criatura e espectador que Biutiful.
Entregar o resultado dessa nova fase (visão?) de sua carreira a Javier Bardem foi uma escolha perfeita para Iñarritu. Foi a confiança em um indivíduo que não incorpora o discurso, investiga cenicamente cada vírgula dele. E o que vemos do lado de cá da tela é o que vemos diariamente no lado menos enfeitado e estereotipado da vida.
Se ontem a América se curvou a mise-en-scéne de “strangers” como Mastroianni, hoje (e até pela nova configuração global) ela incorpora talentos como Bardem para reafirmar a universalidade da sétima arte. Mesmo se ele não sair da noite do Oscar com a estatueta na mão, ela não sairá de lá sem essa certeza.
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