O capitalismo se vende como o sistema ideal por que, ao contrário do socialismo, permite uma mobilidade social. Teoricamente, do dia para a noite, o indivíduo pode sair da mais plena miséria para uma situação abastada, através do jogo ou de investimentos no mercado de ações, que não deixam de ser uma espécie de jogo. Em um momento em que o mundo se recupera de uma profunda crise econômica, e o Brasil depõe uma presidente tendo uma recessão como justificativa para uma maquiavélica armação política, o assunto é um bom pano para manga na ficção, sobretudo no cinema americano, a terra onde o capitalismo se constituiu da sua forma mais plena.
Em “Jogo do Dinheiro” (Money Monster, EUA/2016), Lee Gates (George Clooney) é o carismático apresentador de um popular programa de TV com dicas de investimentos no mercado financeiro, tidas como infalíveis. Porém, uma de suas orientações levou vários investidores a perderem dinheiro, devido a uma falha imprevista. Entre os que apostaram nessa roda da fortuna e saíram lesados estava Jack O’Connell, (Kyle Budwell), que perdeu tudo o que tinha e, revoltado, invade o programa ao vivo e toma Gates como refém com uma arma na mão e um colete com explosivos colocado sobre o apresentador. Durante esse tenso impasse transmitido para milhões de pessoas ao vivo na TV, Gates e sua produtora Patty Fenn (Julia Roberts) devem trabalhar cautelosamente contra o relógio para manter o invasor sobre controle e acabam por desvendar o mistério por trás de uma conspiração no centro da alta tecnologia dos mercados financeiros globais.
Essa oitava incursão da atriz Jodie Foster na direção conta com roteiro de Jimmie Linden, Alan Difiori e Jim Kouf, que é eficaz em compôr o clima tenso e manter o espectador ansioso pelo próximo passo da trama. Apesar de algumas soluções um pouco apressadas no terço final e de não apresentar nenhuma reviravolta espantosa, possui a engenhosidade necessária para o bom funcionamento de um thriller. Kouf é o que tem o maior currículo do trio. Foi responsável por ‘A Hora do Rush’ e ‘A Lenda do Tesouro Perdido’, com Nicolas Cage. A qualidade que vale ser ressaltada é a construção do invasor, que foge do estereótipo do lunático ou do terrorista insano e sedento pelo sangue dos que, ao seu ver, merecem a morte. Se seguissem essa linha, a trama descarrilaria. Jack é revoltado pois tem a plena ciência das mazelas do sistema que se apresentam como efeito colateral, mas que arruinam vidas. Se o intuito do filme é refletir sobre a falibilidade do sistema econômico, Jack é o catalisador do exercício crítico proposto pelos roteiristas e pela cineasta.
Coincidência ou não, a tensão claustrofóbica do filme pode remeter a dois títulos estrelados pela diretora: ‘O Quarto do Pânico’ e ‘Plano de Voo’. Jodie Foster recentemente dirigiu dois episódios da série ‘Orange Is The New Black’ e um episódio de ‘House Of Cards’, ambas séries da Netflix, e “Jogo do Dinheiro” é seu retorno ao cinema depois de cinco anos. Sua direção é precisa e é amparada por uma boa edição. Também merece destaque a atuação segura de Julia Roberts, que brilha a cada momento em que é enquadrada, roubando a cena do protagonista interpretado por Clooney, que também é produtor do filme.
Por fim, “Jogo do Dinheiro” acerta como thriller e como crítica ao modelo econômico opressor em um momento nevrálgico, no qual o mundo, ainda se refazendo de uma crise, questiona os fundamentos clássicos enraizados por ele. Ponto para Jodie Foster.
Filme: Jogo do Dinheiro (Money Monster)
Direção: Jodie Foster
Elenco: George Clooney, Julia Roberts, Kyle Budwell
Gênero: Thriller
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Sony Pictures
Duração: 1h 39 min