“A Luz Entre Oceanos” discute questões éticas com ótimo elenco

É curioso notar que, neste ano, surgiram duas produções que falam sobre o mesmo tema, mas com visões completamente diferentes e, ainda assim, capazes de fazer o público refletir sobre como reagir à situação apresentada na tela. No caso, a questão levantada trata da forma que algumas pessoas encontram para formar suas famílias. A primeira obra a lidar com o assunto é o ótimo “Mãe só há uma”, de Anna Muylaert, inspirada no Caso Pedrinho, que causou grande comoção em todo o Brasil.

O outro filme é o mais formal, dramático e romântico “A Luz Entre Oceanos” (“The Light Between Oceans”, EUA/Reino Unido/Nova Zelândia, 2016), que, por trás de sua narrativa clássica, pondera sobre assuntos que nunca envelhecem, como o amor entre casais, o amor entre pais e filhos, sacrifício e os limites para obter a felicidade. Além disso, o filme conta com uma boa direção e um elenco sensacional, encabeçado por dois dos maiores astros do momento, com ótimas atuações.

Inspirada no livro de M.L. Stedman, lançado em 2012, a trama começa em 1918, quando o veterano da I Guerra Mundial Tom Sherbourne (Michael Fassbender) chega ao extremo oeste da Austrália para trabalhar no farol da ilha de Janus, como forma de se livrar dos seus fantasmas do passado. Ele acaba conhecendo a bela Isabel Graysmark (Alicia Vikander), se apaixona por ela e, após um breve namoro, os dois se casam. Os problemas começam quando eles resgatam um barco à deriva com um homem morto e um bebê recém-nascido. Tom e Isabel decidem ficar com a criança e a criam como se fosse sua filha, batizando-a como Lucy (Florence Clery), sem despertar suspeitas de ninguém da comunidade.

Porém, algum tempo depois, Tom descobre que Lucy é, na verdade, filha de Hannah Roennfeldt (Rachel Weisz), que sofre com a suposta morte da menina. Tomado pela culpa, Tom fica em dúvida se conta à verdade para a verdadeira mãe de Lucy (cujo nome real é Grace) ou se deixa tudo como está, já que tanto ele, quanto Isabel e a menina estão felizes com a vida que levam e a família que construíram.

Embora comece de forma bem lenta, o que pode causar um certo desinteresse do espectador pela parte inicial, mais preocupada em mostrar a vida a dois do casal protagonista, “A Luz Entre Oceanos” ganha um considerável fôlego após o surgimento de Lucy-Grace na vida de Tom e Isabel e todos os conflitos gerados pela situação causada pela decisão dos dois de ficarem com a menina.

O filme trabalha bem os dilemas morais dos personagens, que vão surgindo no desenrolar da trama, graças à direção de Derek Cianfrance, de “Namorados Para Sempre” e “O Lugar Onde Tudo Termina”, que escapa da tentação de transformar tudo num grande dramalhão, que nem mesmo a trilha sonora grandiloquente de Alexandre Desplat consegue atrapalhar.

O cineasta, também autor do roteiro, acerta em não usar maniqueísmo para definir seus personagens. Assim, Tom e Isabel são mostrados como boas pessoas, mesmo com suas falhas, e Hannah não é apresentada como a (involuntária) vilã da história, já que é uma mulher que sofre com a perda do marido e da filha. E isso é um dos conflitos que levam o espectador a pensar se é correto, ou não, que Lucy-Grace fique com os pais adotivos ou com a mãe verdadeira. Desta forma, o público é levado a refletir se as medidas tomadas pelos protagonistas valeram a pena e, se no lugar deles, não fariam o mesmo, apesar da dúvida e da culpa carregadas por Tom.

Além disso, o elemento romântico se mostra presente, mas da maneira mais intensa e doída, que muitos casais certamente já sentiram, o que causa uma identidade maior por ser mais “realista” e menos idealizado do que o que foi mostrado em filmes mais juvenis, como os da “Saga Crepúsculo” e muita gente gostaria que fosse assim na vida real, embora a verdade seja bem diferente.

O que também abrilhanta “A Luz Entre Oceanos” é a alta qualidade das interpretações de seu elenco. Michael Fassbender transmite bem as dores que carrega por seus anos na guerra e os conflitos que enfrenta por amor a sua filha adotiva e, principalmente, sua mulher. Alicia Vikander contagia com o seu carisma e mostra que está cada vez melhor como atriz, sabendo construir bem Isabel como uma jovem alegre e até mesmo audaciosa no início que vai, aos poucos, se tornando cada vez mais melancólica, até que encontra um sentido na vida ao se tornar mãe de Lucy-Grace. Rachel Weisz é bem sucedida ao tornar seu papel, que poderia ser ingrato nas mãos de outra atriz, mais humano e coerente e serve para tornar o principal questionamento do filme ainda mais complexo.

O principal achado do filme, no entanto, é a pequena Florence Clery que, além de ser extremamente simpática, participa de momentos extremamente dramáticos com uma desenvoltura pouco vista em atrizes-mirins. Os outros atores, entre eles Bryan Brown (protagonista de “FX:Assassinato Sem Morte” – alguém se lembra?), que vive o pai de Hannah também estão bem e ajudam a tornar o filme mais interessante.

Com uma belíssima fotografia, com um leve tom acinzentado, “A Luz Entre um Oceanos” é mais do que um simples veículo para Michael Fassbender e Alicia Vikander (que começaram a namorar durante as filmagens) mostrarem que são bons atores. O filme tem uma profundidade inesperada para um drama romântico e pode deixar o público com algumas questões na cabeça quando a projeção termina. Talvez ele não entre para a lista dos melhores do ano de ninguém. Mas não deve ser visto como mais uma produção bonitinha, porém ordinária, pois tem algo mais a mostrar. E isso não deve ser ignorado, especialmente por quem procura por reflexões quando vai ao cinema.

Filme: A Luz Entre Oceanos (The Light Between Oceans)
Direção: Derek Cianfrance
Elenco: Michael Fassbender, Alicia Vikander, Rachel Weisz, Florence Cleary, Caren Pistorius, Emily Barclay e Anthony Hayes
Gênero: Drama Romântico
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Paris Filmes
Duração: 2h 13 min

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