Nostalgia é um filme para destruir ilusões. Ilude-se quem pensa que a Europa é um paraíso, tão diferente do Brasil. Ela tem seus problemas, alguns até semelhantes aos nossos, e fornece desafios para quem escolheu ou calhou de morar lá. Ilude-se também quem pensa que a terceira idade é a “melhor idade”. Mais uma vez, é algo que cria desafios, muitos deles intransponíveis sem a ajuda de terceiros. E ilude-se quem vive das glórias do passado, achando que o que já aconteceu foi o máximo e nada igual pode voltar a ocorrer no presente ou no futuro. É de uma ilusão sobre o passado que vive Felice, o protagonista de Nostalgia: ele acredita ter sido responsável por uma tragédia.
Felice (Pierfrancesco Favino) volta a Nápoles, onde mora sua mãe, Teresa (Aurora Quattrocchi), depois de mais de 40 anos morando no exterior, com passagem mais recente pelo Cairo. Ele encontra uma mãe idosa, debilitada, dependente dele para as tarefas do dia a dia. Encontra também uma Nápoles dominada pela máfia. Tomado pela nostalgia, Felice compra um moto – veículo que tinha na juventude – e vai atrás do amigo de adolescência, Oreste Spasiano (Tommaso Ragno), agora um chefe da máfia. Acompanhado pelo padre Luigi (Francesco Di Leva) em sua busca pelas ruas do bairro La Sanità, Felice quer expurgar um sentimento de culpa, pois acha que foi responsável por Oreste ter seguido um mau caminho.
As cenas de flashback são mostradas num quadro menor, quadrado, evocando aqueles equipamentos diminutos nos quais podíamos ver pequenas fotos individualmente. O uso de cores vivas e quentes também evoca as fotografias antigas, amareladas pelo tempo.
Há alguns momentos pontuais para os quais poderia ter-se dado maior destaque. Um deles é a excursão de Felice pelas catacumbas locais ao lado de Adele, protegida do padre Luigi. Neste passeio, ele vê o rosto da esposa numa pintura do século V, criando um eco em sua mente. Outro momento é quando Felice traduz o que um jovem imigrante tunisiano fala. O livro que deu origem ao filme foi escrito quando a atual crise de refugiados ainda estava no início, tendo sido publicado em 2016. Claro, ambos os temas são retomados mais adiante, mas à guisa de conclusão e não mais desenvolvimento.
Nápoles serve também como personagem em Nostalgia. Não por acaso, trata-se da cidade natal do diretor Mario Martone, que escreveu o roteiro, baseado num livro de Ermanno Rea, com a esposa, Ippolita Di Majo. Sobre o desafio de filmar nas ruas de Nápoles, sem sair de um bairro específico, Martone declarou:
“Fiquei fascinado com a ideia de fazer um filme não dentro de uma cidade, mas dentro de um bairro, como se fosse um tabuleiro de xadrez, e por isso todas as ruas, casas e indivíduos que aparecem no filme são exclusivamente do Rione Sanità, um bairro napolitano separado do mar.”
Pierfrancesco Favino vem se tornando um dos rostos mais presentes e icônicos do moderno cinema italiano. Por Nostalgia, ganhou seu quinto Nastro D’Argento, prêmio dado pela associação de críticos de cinema italianos. Nascido em 1969, Favino começou a carreira no início dos anos 1990 e já fez mais de 40 filmes, tendo sido laureado com a Copa Volpi – o prêmio de Melhor Ator – no Festival de Veneza de 2020.
Nostalgia foi o filme escolhido para representar a Itália no Oscar de 2023 e foi indicado em nove categorias no prêmio David di Donatello, o Oscar do cinema italiano, garantindo o troféu de Melhor Ator Coadjuvante para Francesco Di Leva. O filme aproxima-se do cinema de Hong Kong, mas foi inspirado pelo cinema iraniano: Mario Martone era grande amigo do mestre Abbas Kiarostami. Essa salada mista cultural, que deu origem a Nostalgia, reflete a Itália moderna como poucos filmes conseguiram.
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