Ontem estive na pré estréia do mais recente lançamento de Francis Ford Coppola.
Depois de algumas investidas em filmes mais intimistas e de baixo orçamento como Twixt e Tetro, o diretor, dessa vez, volta aos grandes épicos.


Megalopolis se passa em um futuro passado distante distópico. Um tipo de steampunk pautado pela Roma Antiga. Me explico.
Nova Roma, onde se situa a história, é um lugar criado a partir da colagem de muitas referências, do passado e do futuro. Inspirada na geografia e arquitetura de Nova Iorque (onde foi filmado), os cenários e o figurino se remetem ora aos anos 40, ora à antiguidade clássica, ora a futurismos tecnológicos. Entre togas e ternos zoots, entre efeitos artesanais e efeitos especiais, a visualidade de Megalopolis evoca uma sensação de artificialidade constante.
Logo nos primeiros momentos me vieram várias referências: Matrix (irmãs Wachowski), Cosmopolis (David Croneberg), O Grande Gatsby (Baz Luhrmann) e a própria obra do cineasta. O cinema de Coppola quase sempre transitou entre o sonho e a mais dura e concreta realidade. Neste, ele parece querer encontrar um equilíbrio entre ambos.

Ao tratar de Nova Roma, adentramos nosso atual status-quo. Uma sociedade pautada pelo desejo e pela ambição, pela desigualdade e pela ode à imagem e a tudo que é superficial. Uma cultura onde reina o entretenimento esvaziado de sentido e os estímulos imediatos e onde os ídolos são aqueles com mais fama e dinheiro e aqueles que sabem manipular os outros em benefício próprio. Uma sociedade em que tudo que brilha supera a sabedoria ou a beleza invisível dos valores atrelados ao amor e ao senso de partilha.
De forma bastante resumida, um intelectual, um banqueiro e um político entram em um bar. Desculpa gente, não resisti à piada.
Mas realmente, as personagens se enquadram em arquétipos predominantes da alta sociedade. Figuras de poder que dominam, manipulam e decidem o futuro de todos, do alto de suas torres e mansões (ou coliseus). Além dos três mencionados, temos também o aspirante à político e herdeiro (Shia LaBeouf), o mecenas (Dustin Hoffman), a jornalista-apresentadora (Aubrey Plaza) e a Pop Star virginal (Grace Vanderwaal). Há muitos outros, mas estes são os que operam o maquinário da cidade.
O intelectual é Cesar Catilina, arquiteto e cientista filantropo interpretado por Adam Driver. Sonhador e amante das artes e das coisas belas, Cesar preza por um futuro melhor e mais harmonioso, onde os espaços urbanos serão criados para as pessoas e a partir de suas necessidades e anseios.

O político é o Prefeito Franklyn Cicero, interpretado por Giancarlo Esposito. Além de prefeito, ele também representa uma camada da justiça, tendo trabalhado como promotor geral. Frank encarna a típica personagem que desvirtuou de seus valores. Admirador de Marcos Aurélio, um imperador-filósofo estóico conhecido por seus pensamentos e escritos (livro Meditações) e referência como líder, o prefeito acaba cedendo a soluções imediatistas e valores materialistas.
O banqueiro é Hamilton Crassus III, interpretado por Jon Voight. Um tanto infantil e, até certo ponto, ingênuo, sua personagem é amorosa e hedonista. Para deixar esta personalidade ainda mais marcada, Crassus se fantasia de Peter Pan em uma das cenas mais emblemáticas do filme.
Basicamente temos neste grupo: os idealistas, os corrompidos e os oportunistas (ou babacas mesmo).
Por último, mas não menos importante, temos Julia Cicero, interpretada por Nathalie Emmanuel. Filha do prefeito, a moça inicia sua jornada como uma patricinha rica inconsequente e aos poucos vai deixando transparecer sua educação de elite e seu bom coração. Deixo ela por último por vários motivos. Ela não se encaixa muito bem em nenhuma categoria acima. Ao mesmo tempo, é também uma das personagens mais castigadas e sub-utilizadas da trama. Castigadas não pela história, mas pelo filme. Começa potente, contestadora de padrões e aos poucos vai se encaixando em um lugar de submissa. Uma sub heroína às sombras do herói sofredor.
A narrativa é errática. Em muitos momentos, tenho a sensação de que o roteiro era bem mais longo e que provavelmente muito mais cenas foram filmadas e deixadas pra trás. Faltam algumas pontes entre os acontecimentos. A montagem não segue uma cronologia exata. Parece realmente advir de um pensamento deambulantório, de memórias que vão sendo acessadas e aglutinadas, sem necessariamente estarem encadeadas.
No começo isso é até bem interessante, porque cria uma certo dinamismo. Mas lá pela metade do filme, à medida que a história vai se desenrolando e novas cenas estilizadas e fetichizadas vão surgindo, mais este recurso perde a força e parece gratuito.
Não acho que deixe a história confusa. Não é que atrapalhe, mas deixa o ritmo do filme engasgado e um pouco monótono do meio pro fim. Não por coincidência, essa também é a parte em que ele afirma seu conservadorismo.
Por mais que Coppola quisesse fazer um filme libertário e humanista, e por mais que seu herói tenha um discurso em defesa de um mundo mais justo e igualitário, a forma do filme vai por outra direção.

Esta é uma história protagonizada pela casta intelectual e rica. Tirando uns poucos momentos em que vemos as camadas mais pobres da população, quase sempre desamparadas e facilmente manipuláveis, 90 % do filme se passa apenas nas camadas privilegiadas da cidade. Cesar diz que quer a participação das massas, mas nunca está com elas. Vive isolado de todo o sofrimento externo e atormentado por suas memórias pessoais.
Vemos rostos de crianças testemunhando o absurdo desse mundo de riqueza e de luxo desproporcional, indicando que é isso que estamos projetando para nosso futuro, hoje. Mas sempre de uma maneira estereotipada e simplória. O próprio Clodio Pulcher (Shia LaBeouf) chama essa classe de ignorantes/estúpidos. Ele encarna a nova categoria de políticos que usam a ironia, o ódio e o absurdo pra atrair seu eleitorado e usa (usurpa) o emblema “Power to the people” (historicamente associado a movimentos de luta dos anos 60), como forma de fingir interesse genuíno pelas pessoas.
Coppola traça um paralelo direto entre o Império Romano e o Império Americano dos dias de hoje. O tempo todo advertindo sobre um possível e iminente declínio, um futuro espelhado no passado.
O filme se propõe a falar de um futuro melhor, mas sem mexer nas estruturas de poder. Ele mantem tudo como está. Como se tudo devesse se manter nas mãos desses poderosos homens. A diferença é que eles precisam voltar aos nobres valores. As mulheres, tadinhas…. São interesseiras, mentirosas, loucas ou submissas. Julia Cicero encarna a fiel companheira, apoiando e defendendo o visionário parceiro, com amor e candura.
A obra é dedicada à sua esposa, Eleanor Coppola, que faleceu em abril deste ano. É difícil não traçar paralelos com o casal de protagonistas. Eleanor, assim como Julia, sempre defendeu o marido artista. Documentarista, cineasta, artista e escritora, exercia um papel de co-criadora, inspiração e fortaleza emocional, mas sempre com menos prestígio.
Falta densidade nas personagens. Elas parecem estar meramente cumprindo as necessidades da história, sem vida própria. Nesse sentido, se aproxima mesmo de uma fábula ou parábola. Tudo está ali para efetivar a mensagem, de forma quase didática. Falta elaborar melhor esse tal futuro ideal e o elemento mágico-tecnológico Megalon, sobre o qual eu nem vou me debruçar aqui.

Há indícios de discussões muito interessantes, mas que acabam por serem deixadas de lado. Sobretudo numa das cenas de apresentação das personagens, que nos localiza em seus posicionamentos dentro do jogo político, fala-se sobre o embate (bastante relevante nos dias de hoje) entre soluções imediatistas e soluções que levem em consideração o futuro mais distante.
Há várias pontas soltas, mas não me atenho a isso. Não há nada de novo. Mas nem precisava ter. O grande problema pra mim é realmente que fica muito claro e evidente este filme ter surgido da mente de uma pessoa com muito privilégio. É um retrato de um tipo de pensamento que ainda nos domina. Eu só achava que esse pensamento já teria sido superado pelo Coppola….








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