Mítico onde deveria ser humano, “Lovelace” é bem frustrante

“Lovelace” é um filme bem esquizofrênico. E cai na armadilha mais previsível e perigosa das cinebiografias: a reverência excessiva ao biografado. Trata-se de um retrato sobre a ascensão e sofrida queda de Linda Lovelace, que se tornou estrela ao protagonizar o primeiro pornô mainstream dos EUA, Garganta Profunda. Representante da liberação sexual setentista feminina, Linda sofria nas mãos do violento e obsessivo marido Chuck Traynor, na vida privada. Cansada do jeito controlador de sua mãe ultra-religiosa (Sharon Stone, merecedora de uma indicação por atriz coadjuvante, dada a ótima composição) e seu pai bondoso, porém omisso (Robert Patrick), Linda (Amanda Seyfried) sai de casa para viver com Chuck (Peter Sarsgaard). Quando o casal enfrenta problemas financeiros, ele a incentiva a participar um filme pornográfico para quitar suas dívidas. Juntando-se a Gerry Damiano (Hank Azaria), Butch Peraino (Bobby Cannavale) e Anthony Romano (Chris Noth), criam o mítico filme, lançando Linda a um estrelato que ia além das barreiras do mercado de cinema adulto, ao mesmo tempo que, por trás das câmeras, só aumentava o controle abusivo de seu marido. Lovelace-UK-Quad-Poster-585x438 Existem vários vértices que o filme desconsidera ao acampar a complexidade da resignação de Linda. Ou melhor, ele não acampa nada além que a mitificação dela. Primeiro, trata-se de uma trama que percorre os bastidores da ascendente indústria pornô americana, com reverberações até políticas, entretanto é de uma caretice impressionante. Mesmo o implícito carece da liberalidade setentista que retrata.
E o que é pior: o filme, por mais que ensaie uma dualidade de visões, na verdade é parcial e unidimensional no tocante às razões de sua história. Linda é simplesmente vitimizada, destituída de qualquer humanidade ou maior conflito próprio. Suas ações são sempre mediadas pela resignação pura e simples. O que se resume a um arquétipo de uma pretensão. Pretensão de justificar um drama, o gênero, e não uma ação crível.
Amanda tem a delicadeza certa para esse desafio que encarou e está muito bem, assim como o sempre visceral e perturbador Peter Sarsgaard, que incide mais humanidade à seu vilão que o próprio filme à sua história. Por ficar deslumbrado demais com o mito, Lovelace torna superficial a Linda que esconde sob tanta esquizofrenia. Nas mãos de um David Fincher sairia um filmaço… [xrr rating=2.5/5]

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