Um dos filmes mais fantásticos da história do cinema, com uma das fotografias mais primorosas e uma trilha sonora simplesmente fora de série. Afinal de contas, não só de música pop vivem os filmes. São 40 anos desde seu lançamento e para comemorar, eu lhes trago o review deste filme já aproveitando para falar do filme e suas coisinhas.
Como o filme é grande e muito legal, hoje eu vou parar para analisar ele como um todo, ou seja, o texto vai ser longo.
Sem mais delongas:
Also Spracht Zarathustra – Richard Strauss
Com essa cena simples e maravilhosa, começa um dos melhores filmes jamais feito em toda a história do cinema. Antes desta cena, porém, podemos ouvir Gyorgy Ligeti com Atmospheres de frente a um fundo negro antes do antigo logo da MGM. A música é um crescendo esplendoroso chegando lentamente ao silêncio que introduz Zarathustra.
Após isso, a obra de arte de Kubrick começa a tomar forma e na primeira meia hora de filme já podemos pereceber aonde Kubrick quer nos levar. O filme é uma experiência única nas formas visuais e de áudio. Nota-se desde o começo que música não se mistura com diálogo em momento algum, ou seja, quando há falas (as muito poucas), ouve-se apenas silêncio, quando se escuta a música, não há qualquer outro som na tela a não ser uma eventual respiração ou passos.
Com isso somos levados ao passado distante, na época dos homens das cavernas. Aqui novamente escuta-se apenas os grunhidos ininteligíveis dos homens macacos e o silêncio. Silêncio sepulcral que é apenas cortado pela música de Ligeti novamente, desta vez o coral de Atmospheres entra em cena no momento em que o Monolito aparece para os macacos.
Em momento algum esse Monolito tem seu signficado explicado por Kubrick, mas eu me dou o luxo de explorar levemente esse tema.
Muita gente gosta de olhar o Monolito como uma espécie de Cápsula do Tempo alienígena, contendo uma mensagem que irá ajudar a humanidade a evoluir. Bem, essa interpretação é válida, mas o crítico Robert Ager faz uma série de interpretações tanto do Monolito quanto do filme e chega a uma conclusão fantástica.
Toda vez que vemos o Monolito na tela, ouvimos Atmospheres de Ligeti. Mas não só nesse momento em que ele aparece essa música é ouvida. No começo, com aquela tela em preto também ouvimos essa música e em uma Intermissão lá pelo meio do filme, ouvimos a mesma música, ou seja, quando a tela fica escura, em verdade, estamos olhando diretamente para o Monolito e ouvindo sua voz através de um coral. E mais, para ele, o Monolito não passa de uma tela de cinema de pé, e que devemos mudar nossas perspectivas sobre o mundo para entender esse filme. Eu concordo em parte.
Vão abraçando essa idéia enquanto eu continuo a Odisséia Musical.
Após o macaco arremessar o osso aos céus, este se transforma em uma espaçonave e começamos a ouvir “Danúbio Azul” de Johann Strauss.
Esta música volta a se repetir no vôo entre o hotel espacial e a Lua. Em momento algum ouvimos som no espaço, afinal, é assim que ocorre na realidade e não aquela barulheira de Guerra nas Estrelas.
Após a reunião na base lunar, vemos um ônibus lunar trafegando pela superfície e novamente nossos ouvidos são tolhidos por Atmospheres, significando que o Monolito está próximo.
Logo vemos um grupo de astronautas andando em volta do Monolito e um deles o toca, da mesma forma que o homem macaco havia feito. A cena é encerrada por um chiado agudo. Com isso, passamos ao segundo capítulo chamado “Jupiter Mission, 18 Months Later”.
O som agudo ouvido é um sinal emitido pelo Monolito para o planeta Jupiter. Vemos um astronauta treinando em uma área de gravidade artificial (que gira) ao mesmo tempo em que vemos a nave voando pelo espaço. A nave se chama Discovery e a música é Gayne Ballet Suite de Aram Khatchaturian.
Nela, vemos dois astronautas vendo um programa sobre o próprio projeto que eles estão participando. Neste, vemos pela primeira vez HAL (as letras que vem logo antes do logo da IBM) 9000. A entrevista vai indo, e em dado momento, é perguntado aos astronautas (que estão totalmente desinteressados) se HAL tem emoções. Mais uma vez eles não sabem responder, pois, como eles bem dizem, eles estão ali acordados basicamente para ter certeza que os outros três astronautas e HAL chegarão inteiros a Jupiter. Logo após, ouvimos mais uma música de Aram Khatchaturian chamada Gayeneh.
Um detalhe interessante é que as camas de hibernação dos astronautas lembram sarcófagos egípcios. No jogo de xadrez entre HAL e Poole, o computador mostra ao astronauta como ele está errado, explorando a faliabilidade do ser humano, que, estando totalmente entediado, deixa o computador comandar suas ações (alguém falou internet e nossa dependência em relação às máquinas?). Mas, analisando a jogada, HAL errou ao passar a jogada ao astronauta, ele mesmo falhou e não percebeu.
O aviso de um erro na antena externa da nave faz com que um dos astronautas vá a área externa da nave fazer a troca. Com a peça de volta a nave, vemos que HAL errou em dizer que a peça estava quebrada. Os dois astronautas se trancam em um dos pods onde o computador não pode os ouvir e fazem um plano de recolocar a peça antiga e esperar ela quebrar. Se ela não quebrar, HAL estava errado e terá de ser desligado. O que eles não vêem é que HAL está lendo seus lábios.
No espaço, vemos HAL usando o pod para matar Bowman cortando seu suprimento de oxigênio. Dave pega o outro pode e vai atrás do corpo de Bowman, já morto. Enquanto isso, na nave, HAL corta os suprimentos dos outros três astronautas hibernando, matando-os silenciosamente.
Dave tenta voltar a nave, mas HAL o proibe. Usando-se de uma escotilha de emergência ele ganha entrada na nave e em uma sequência onde a única trilha sonora é a respiração de Dave em seu traje espacial, ele vai até o centro nervoso de HAL, ouvindo este pedindo que ele reconsidere o que ele irá fazer, mais um sinal de falha na racionalização do computador.
Dave mata HAL enquanto ele demonstra sinais de selenidade e depois uma volta a infância quando ele recita suas primeiras palavras e uma canção.
Com a morte de HAL, um vídeo pré gravado aparece e conta o começo da história do Monolito achado na Lua e o porque daquela missão estar ocorrendo.
A terceira parte do filme começa: Júpiter e Além do Infinito.
Aqui começa a doideira geral! Atmosphere começa a tocar novamente, ou seja, o terceiro Monolito aparece e está flutuando no espaço perto de Júpiter. Dave pega um dos pods e vai até ele. No espaço, vemos novamente um alinhamento de planeta, luas e sol, desta vez com o Monolito se abrindo em um portal estelar.
Aqui começa uma viagem psicodélica de quase 10 minutos onde passamos por caminhos tortuosos, locais quase biológicos, lembrando e fazendo analogias constantes ao nascimento e ao útero. Ao final desta viagem, estamos dentro de um quarto.
E, bem, vou deixar que vocês vejam o final no vídeo acima. É melhor, afinal de contas a piração e a interpretação tem que ficar por conta de cada um de nós. Quando finalmente vemos o feto flutuando no espaço, toca mais uma vez Also Spracht Zarathustra de Strauss e por fim, os créditos ficam rolando ao som de Danúbio Azul.
Quem conseguiu ler até aqui, meus parabéns, afinal é um filme desses que faz valer a pena ficar assistindo e re-assistindo para poder pegar todos os detalhes e ainda assim, 40 anos depois do seu lançamento, ninguém pode interpretar ele da forma com que Kubrick o criou originalmente,
J.R. Dib