“Numa escola de Havana” é uma excelente amostra do cinema cubano

O que é ser professora? O que é ser professora a vida inteira? Ou ainda: ser professora numa escola em Cuba. Ou, finalmente: o que é ensinar? Numa Escola de Havana (Conducta, Cuba, 2014), de Ernesto Darana, é um filme que traz à baila reflexões como essas ao construir alguns dramas entrelaçados em uma sala de aula. Ele não propõe exatamente um debate, como o francês Entre os muros da escola, de 2009, mas a história que retrata leva a reflexões interessantes sobre tais questões e, mais especificamente, sobre isso: o que é ter um trabalho que dá sentido à vida, envolver-se com o trabalho de corpo e alma, envolver-se a tal ponto que talvez não haja volta.

A professora da classe de Chala (Armando Valdes Freire), Carmela (Alina Rodriguez, falecida este ano), dedica sua vida ao magistério. Foi professora da mãe de Chala, lecionou para inúmeras classes, viu seus alunos crescerem, acompanhou gerações e tem experiência. Lida com dificuldades sociais difíceis de solucionar e não desanima diante delas. Não se amedronta, nem se deixa acuar. O sentido de sua vida está explícito: a formação de crianças. A escola não pode dar conta de tudo nem deve substituir a família, ok. A função da escola e do professor é tema de debates infinitos, ok. Mas Carmela sabe que pode fazer muito mais do que trabalhar conteúdos com suas turmas e avaliá-los ao final dos bimestres para tentar aferir o quanto aprenderam e traduzir essa quantidade em notas ou conceitos. Aliás, há muito mais a fazer.

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Acompanhamos então a saga desse menino, Chala, que é criado pela mãe, mais perdida do que ele. Para garantir algum dinheiro que pague as contas, Chala cria pombos para vendê-los e cachorros para rinhas de cães. No colégio, está ameaçado de ser levado para a escola de conduta, onde ficará internado e separado de sua mãe, porque o tempo inteiro se envolve em confusões. Os burocratas não sabem o que fazer com ele, mas acreditam que devem fazer o seu trabalho, há regras a cumprir, custe o que custar.

Chala parece incorrigível, mas é quem ajuda a professora em diversas situações. É um menino de 11 anos que tem que se virar para que o dia a dia não o aniquile, mas é ainda criança e tem responsabilidades de pessoa mais velha mescladas aos impulsos que são próprios da idade e de seu jeito de ser. Carmela é sua professora, mas é como se fosse sua avó. O afeto entre eles transcende qualquer hierarquia de funções definidas a priori. Aliás, Carmela é um exemplo de questionamento de funções e regras cuja definição prévia e rígida não contribui em nada. E não tem medo das consequências de falar.

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Numa Escola de Havana é um filme excelente, cujos dramas não resvalam para a tragédia e é possível rir o tempo inteiro com o carisma de Chala e de seus colegas de classe. Retrata o contexto específico da realidade social de Cuba e da educação, mas seu mérito é fazer com que possamos fisgar, dessa história, o que há de mais universal. O que fazemos de nossas vidas, o que fazemos de nossos trabalhos e como encaramos nossas funções?

Somos protocolares e burocráticos, ou vamos além, quando importa ir além, quando é necessário fazê-lo? Fazemos o que nos mandam ou questionamos as ordens, quando devem ser questionadas? Ficamos amedrontados com o que podemos perder, caso nos posicionemos de modo contrário ao que se espera, e deixamos de nos solidarizar com a dificuldade do outro, ou tentamos fazer o que é possível para não nos enredarmos em nosso individualismo seguro de cada dia?

Carmela ama ser professora, ama seus alunos, realiza sua tarefa principal com um afeto inesgotável e não tem medo de se posicionar. Ela faz aquilo o que cada vez mais as pessoas têm medo de fazer: fala, diz o que pensa, defende suas ideias. Coloca em prática seu discurso. E, claro, pode ser que pague um preço alto, mas sempre em nome de uma coletividade.

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