O Auto da Compadecida 2 é a prova de que o cinema nacional aprendeu a fazer continuações desnecessárias

“O Auto da Compadecida” é a adaptação de Guel Arraes da obra mais importante de Ariano Suassuna. A princípio no formato de série para a Rede Globo em 2000, foi editada como um longa para os cinemas e, apesar de cortar alguns arcos do texto original (como o gato que “descomia” dinheiro) foi uma bela transposição para as telonas, assim como a versão dos anos 60 e a dos Trapalhões em 1987. O inegável carisma de Selton Mello como malandro Chicó e a encarnação perfeita do gaiato João Grilo feita por Matheus Nachtergaele catapultou essa releitura ao posto de definitiva. Como a química da dupla era imbatível, acreditou-se que transcenderia o texto de Suassuna e teria plenas condições de alçar voo solo, tornando possível “O Auto da Compadecida 2” sem base em um material prévio para se inspirar.

Chicó e João Grilo estão de volta, mais uma vez metidos em confusões e malandragens. Passados 20 anos de seu desaparecimento, João retorna para a cidade de Taperoá e reencontra com seu fiel escudeiro Chicó, que à sua maneira, fatura com a história de que o amigo ressuscitou graças a um milagre de Nossa Senhora. Considerado uma espécie de santo, João Grilo, com status de celebridade, chama a atenção especial dos dois políticos mais poderosos da região, querendo utilizá-lo como cabo eleitoral. É a oportunidade perfeita para que a dupla arquitete mais um trambique.

Seguindo o exemplo de Hollywood, o cinema nacional parece estar apostando em continuações desnecessárias, que pouco ou nada acrescentam à história que foi tão bem contada em um filme anterior. A tentação de faturar em cima de uma marca conhecida e com lucro, em tese, garantido, é tanta que essas sequências são engendradas pouco se importando se há uma trama interessante a ser explorada. Um exemplo bem recente é “Estômago 2”.

“O Auto da Compadecida 2” consiste basicamente em repetir as situações do original, praticamente do início ao fim. A diferença é que agora há novos personagens – que nada mais são do que novas versões dos vistos no primeiro longa – e um rascunho de subtrama para dar mais relevância a Chicó. Todavia, nenhum acréscimo ajuda a dar consistência ao novo roteiro da dupla Guel Arraes e Adriana Falcão, que perde muito sem o texto de Suassuna.

Clarabela, muito bem interpretada por Fabiula Nascimento, é uma personagem com fortes traços teatrais, mas se mostra uma nova versão de Rosinha, que não chega a se cumprir totalmente, já que vai rapidamente se esvaindo em função do retorno da própria na trama. Coronel Ernani de Humberto Martins é outra boa construção, mas que se mostra apenas uma contraparte do Major Antônio Morais, defendido por Paulo Goulart. O personagem Arlindo, apesar da boa composição de Eduardo Sterblitch, tem seu arco que poderia render muito bem, talvez ate mesmo sendo um pivô na história, mas acaba sendo colocado à margem sem que nada justifique sua adição. Antônio do Amor também parece ter sido criado apenas para inflar o elenco, uma vez que, assim como nas continuações hollywoodianas, a parte 2 deve ser maior e mais intensa.

O diretor Guel Arraes, agora acompanhado de Flavia Lacerda, busca não mexer muito na estética que funcionou há 24 anos. Está presente a fotografia barroca, embora menos granulada por conta do formato digital, as animações que ilustram os causos contados por Chicó e efeitos especiais que remetem à literatura de cordel e as tradições nordestinas. No entanto, a nova sequência do purgatório, com Thaís Araújo no lugar de Fernanda Montenegro como Nossa Senhora, fica esvaziada sem um texto à altura do que Suassuna criou, apesar das boas atuações de Nachtergaele e Thaís.

Por fim, “O Auto da Compadecida 2” se sustenta sobre as boas atuações e a graça da dupla de protagonistas que de fato permaneceu intacta nessas quase duas décadas e meia. Contudo, isso não foi o suficiente para render um filme memorável. Está na hora do cinema nacional avaliar bem quando uma continuação é de fato cabível.

Sair da versão mobile