“O Corvo” (1994) tinha tudo para ser uma pérola indie, mas o trágico destino o tornou um blockbuster. A misteriosa morte de Brandon Lee, morto no set de filmagem com uma bala verdadeira, misturada entre as cenográficas, de festim. O fato gerou imensa comoção, até por conta de o ator ter morrido em um contexto tão intrigante quanto seu pai, o astro das artes marciais Bruce Lee. Ainda que a fatalidade tenha roubado um pouco os holofotes, o longa de Alex Proyas teve seu reconhecimento como uma das melhores adaptações de quadrinhos até então, agradando àqueles que não aceitavam as versões cinematográficas lançadas na época, todas a reboque do Batman de Tim Burton que naquele momento não era nenhuma unanimidade. Depois de continuações um tanto questionáveis, trinta anos depois do longa que eternizou a popularidade do personagem, chega a nova adaptação, na era em que o cinema de super-herói está completamente consolidado.
Em “O Corvo” (2024), a trama segue basicamente o mesmo mote. Eric Draven (Bill Skarsgård) é brutalmente assassinado junto com sua noiva, Shelly Webster (FKA Twigs), por um grupo de criminosos ligado ao sombrio passado da moça. Todavia, Eric ganha o poder de retornar do túmulo em busca de vingança contra aqueles que tiraram sua vida e a de sua amada, em uma jornada sangrenta que atravessa os mundos dos vivos e dos mortos para fazer justiça.
Releituras podem ser bem-vindas, embora muitos fãs, quando elegem uma determinada produção como definitiva, preferem que não seja mexida. Porém, a tarefa deve ser cumprida com paixão, e não apenas visando o lucro fácil com o renascimento de uma franquia. Os produtores parecem ter mesmo acreditado que uma versão moldada para os anos 2020 da criação de James O’Barr faria jus à matriz e à primeira adaptação. No entanto, faltou ao diretor Rupert Sanders (“Branca de Neve e o Caçador”, “Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell”) a personalidade e o entendimento das HQs que sobravam a Proyas.
O roteiro Zach Baylin e William Josef Schneider, além de pecar pela falta de coesão, toma liberdades bastante equivocadas. O conceito visual marcante do longa de 1994 é substituído aqui pelo genérico, com uma fotografia lotada de clichés e uma montagem pouco inspirada.
Ficou para Bill Skarsgård a árdua tarefa de dar vida a um personagem icônico sendo tratado de uma maneira tão simplória pelo roteiro. É muito difícil para o espectador criar a cumplicidade com o protagonista necessária para torcer por ele. O trabalho do ator é esforçado, porém o molde que lhe foi dado pelo script não permitiu um exercício de atuação que fosse além do trivial. Essa versão buscou dar a Shelly um pouco de protagonismo, além de ser apenas uma lembrança e motivação de vingança para Eric como foi visto anteriormente. FKA Twigs até se sai bem, mas o arco criado para a personagem é inconsistente e carece de lógica.
O que salva “O Corvo” do desastre são as sequências de ação, que em alguns momentos são quase tão boas quanto as do filme de 1994. Sobretudo a sequência na ópera, embora ela termine de uma maneira bisonha. No mais, infelizmente é apenas mais uma tentativa pálida de se fazer um reboot tentando agradar ao público mais numeroso possível, enquanto se esquece do alvo primordial: o fã.