Apesar do sucesso de bilheteria, quando arrecadou mais de US$ 1 bilhão mundialmente, muita gente achou que “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” não tinha a mesma qualidade da trilogia “O Senhor dos Anéis”, alegando que o filme tinha tempo de mais e história de menos. Isso não deixa de ser verdade. Afinal, transformar apenas um livro em três filmes é uma operação complicada, que força a produção a criar elementos adicionais que não existem na obra original para que justifique a sua criação. O problema é que esse tipo de recurso tira a legitimidade dos filmes em questão, dando a entender que eles só foram feitos para arrancar mais dinheiro do público e dos fãs do universo criado por J.R. Tolkien. Felizmente, à frente desta produção, está o mais que competente, Peter Jackson, que consegue resolver melhor a complexidade deste projeto em “O Hobbit: A Desolação de Smaug” (“The Hobbit: The Desolation of Smaug”).
Na trama, Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), Gandalf (Ian McKellen) e os anões liderados por Thorin (Richard Armitage) continuam a sua jornada em direção às terras além da Montanha Solitária, sempre com os Orcs em seu encalço. O grupo acaba conhecendo novos personagens, como Beorn (Mikael Persbrandt), um guerreiro que se transforma em urso, o barqueiro Bard (Luke Evans), além dos elfos Thranduil (Lee Pace), Tauriel (Evangeline Lily) e Legolas (Orlando Bloom, que só aceitou voltar ao papel em retribuição ao que o diretor fez para a sua carreira).
Gandalf acaba se afastando do grupo para descobrir um segredo terrível, que está ligado à trama de “O Senhor dos Anéis”, enquanto Bilbo, cada vez mais fascinado pelo poder do “Precioso”, tem que descobrir a sua coragem diante do gigantesco e assustador dragão Smaug (Benedict Cumberbatch), para conseguir roubar a Pedra Arken, que levará Thorin de volta ao poder.
O diretor Peter Jackson consegue tornar “O Hobbit: A Desolação de Smaug” uma experiência cinematográfica ainda mais arrebatadora do que a primeira parte desta nova trilogia. Contando com belíssimas tomadas externas feitas na Nova Zelândia (em especial, aquelas que foram feitas nas montanhas exploradas por Gandalf, em uma certa parte do filme), o cineasta deixa o espectador de queixo caído, graças também à belíssima fotografia de Andrew Leslie, que realiza um trabalho incrível, especialmente nas sequências ambientadas na Cidade do Lago e na parte final, que dão um ar mais sombrio do que na aventura anterior. Jackson mostra que é um dos melhores diretores de cenas de ação do momento, cujo grande destaque é a sequência em que Bilbo e os anões tentam fugir dos Orcs dentro de barris numa correnteza e contam com a ajuda dos elfos para se livrarem dos seus inimigos. Não tem como não se empolgar com essa parte do filme, uma das mais espetaculares e divertidas feitas dentre todas as adaptações dos livros de Tolkien.
Os efeitos especiais são, como esperado, uma atração à parte. É impressionante como a Weta está cada vez melhor quando produz os seres fantásticos que habitam a Terra-Média, em especial as Laracnas (já vistas em “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”, aqui mais realistas ainda) e, principalmente, o dragão Smaug. Ao contrário de outros seres digitais, é possível ‘sentir’ o peso e a ação da gravidade quando ele surge em cena. Uma das grandes sacadas em seu visual é mostrar o que seria a região de seu estômago ficando iluminada sempre quando ele está prestes a cuspir fogo. Além disso, Smaug se revela um ser realmente perigoso e de dar medo, com seus olhos sinistros e sua capacidade de intimidação, não só pelo seu tamanho, mas também por sua movimentação, como um predador pronto para devorar a sua presa.
Jackson também foi bastante feliz em escolher Benedict Cumberbatch para fazer a voz de Smaug (e também a do Necromonte), já que o talentoso ator, além de impressionar o público com a série “Sherlock” (onde, curiosamente, Martin Freeman faz o Dr. Watson), também ficou marcado na memória do espectador como o vilão de “Além da Escuridão – Star Trek”. Sua voz marcante dá o impacto necessário para que Smaug seja imponente e ameaçador, se tornando o elemento mais marcante de “O Hobbit: A Desolação de Smaug”.
Mas o resto do elenco está muito bem. Martin Freeman parece ter nascido para viver Bilbo Bolseiro, com sua mistura de coragem e hesitação diante dos perigos que tem que enfrentar. Ian McKellen, embora apareça pouco, continua a marcar presença com o seu Gandalf. Luke Evans e Richard Armitage rendem o esperado com seus papéis e Stephen Fry, quase irreconhecível com a maquiagem aplicada para fazer o Mestre do Lago, está muito bem com seu personagem com tendências a se corromper. Já a bela Evangeline Lily se mostra incrivelmente confortável como a elfa Tauriel (que não existe no livro original), mostrando química com Orlando Bloom e também com Aiden Turner, que vive o anão Kili, além de se sair bem nas movimentadas cenas de ação.
O roteiro (escrito por Jackson, Fran Walsh, Philida Boyens e Guillermo del Toro) se mostra muito feliz ao enfatizar um defeito que nós, seres humanos, temos: a ganância. É ela que, bem ou mal, movimenta muitos dos personagens da trama, como Thorin, e é a principal arma de Smaug para derrotar os anões. É com esse tipo de enfoque que a trama de “O Hobbit: A Desolação de Smaug” pode fazer o espectador pensar, além da ação e da aventura que o filme oferece. O único pecado é que, assim como “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada”, essa sequência é um pouco mais longa do que deveria ser, com algumas tramas se tornando arrastadas, o que pode comprometer um pouco a diversão. Além disso, algumas liberdades tomadas em relação ao texto original também podem desagradar aos fãs de Tolkien. Mas quem conseguir relevar essas coisas, terá uma ótima experiência.
Com um final em aberto, “O Hobbit: A Desolação de Smaug” só deixa o público com uma vontade de ‘quero mais’. Pena que, para ver como a história acaba, teremos que esperar o fim de 2014, quando será lançado “O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez”. Mas vai valer a pena aguardar pelo fim da aventura ao lado de Bilbo, Gandalf e companhia na Terra-Média.
Estréia hoje nos cinemas.
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