Em Hollywood, quando surge algum projeto que possua elementos inusitados, que povoam universos oníricos, certamente o nome de Tim Burton é lembrado para conduzi-lo à telona. Durante a sua carreira, o cineasta se tornou um notório contador de histórias, que seduziu o grande público com belas imagens e um clima surrealista. Embora tenha perdido um pouco a mão nos últimos anos, realizando boas obras, porém não tão memoráveis, como “Grandes Olhos”, Burton continua mantendo a sua aura de diretor “autoral”, atraído por histórias sombrias e, ao mesmo tempo, encantadoras.
Por isso, não foi uma grande surpresa quando ele foi anunciado como o responsável por adaptar o primeiro volume de uma série de livros escrita por Ransom Riggs, já que as publicações possuem elementos que têm tudo a ver com os trabalhos do diretor de “Edward Mãos de Tesoura” (1990), “Ed Wood” (1994) e “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas” (2003). Assim, chega aos cinemas “O Lar das Crianças Peculiares” (“Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children”, EUA/2016), que mostra a sua visão do universo criado por Riggs. O filme, embora não fique entre as melhores realizações de Burton, consegue manter o interesse e se torna um dos poucos blockbusters de 2016 a sair do marasmo que marcou (negativamente) o ano.
A história é focada em Jake (Asa Butterfield), um adolescente que se sente deslocado em relação aos demais e que tem sua vida mudada após pistas deixadas pelo seu avô, Abe (Terence Stamp), que o levam até uma ilha no País de Gales, acompanhado do pai, Franklin (George O’Dowd). Chegando lá, Jake descobre uma fenda no tempo onde há uma misteriosa mansão administrada pela Srta. Alma LeFay Peregrine (Eva Green). Ela abriga um grupo de jovens com características especiais, como a bela Emma (Ella Purnell) que precisa usar calçados de chumbo para se manter no chão e não sair voando por aí.
Também há um menino invisível, uma menina extremamente forte, irmãos gêmeos que estão sempre cobertos com uma fantasia e um par de máscaras, uma garota capaz de controlar o fogo, entre outros. Porém, Jake acaba se envolvendo num conflito entre seus novos amigos e um grupo de seres sinistros liderados por Barron (Samuel L Jackson) e o rapaz terá que fazer de tudo para evitar que a Srta Peregrine e seus protegidos levem a pior contra seus inimigos.
“O Lar das Crianças Peculiares” é um típico filme assinado por Burton. O diretor sempre demonstrou sentir um certo carinho por histórias comandadas por personagens desajustados e, aqui, isso não é diferente. Afinal, Jake, assim como Edward Mãos de Tesoura, Willy Wonka, Beetlejuice ou mesmo Batman (alguns dos protagonistas dos maiores sucessos do cineasta), não se sente confortável no mundo real e só se encontra num universo de fantasia.
Burton também não esconde seu fascínio por seres extraordinários e faz com que as estranhezas das Crianças Peculiares (que, embora o filme não deixe claro, se assemelham muito aos mutantes dos X-Men) sejam cativantes para o grande público. Outro aspecto característico do cineasta é a criação e a utilização de cenários que evidenciem um certo desconforto, como o quarto em que Jake e o pai se hospedam, que possui móveis de tamanho menor e o teto rebaixado, que deixam claro a desproporção dos elementos em cena.
Além disso, o diretor utiliza uma cinematografia bem definida, onde as sequências que acontecem em nossa realidade possuem um tom de cor mais frio e desbotado, enquanto no momento em que surge a Srta. Peregrine e sua mansão, as cores ficam mais vivas e quentes, que ajudam a dar o clima de fantasia necessário para fazer o filme ficar convincente. Um recurso simples, porém eficaz, que mostra o bom trabalho do diretor de fotografia Bruno Delbonnel. A trilha sonora, feita por Michael Higham e Matthew Margeson, parece bastante com trabalhos feitos por Danny Elfman (habitual colaborador do cineasta), mas não compromete.
Embora seja um dos melhores filmes de Burton nos últimos anos, “O Lar das Crianças Peculiares”, no entanto, possui alguns problemas que podem prejudicar a diversão para o espectador. Um deles é o roteiro, assinado por Jane Goldman (dos dois “Kick-Ass”, “Kingsman” e “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”), que acaba sendo confuso em alguns momentos, com tantas terminologias e definições, exigindo que o público se concentre além da conta para entender tudo o que está acontecendo na tela.
Além disso, certos personagens aparecem e desaparecem da trama, sem maiores explicações, e a relação entre Jake e seu pai (tema que o cineasta adora trabalhar em seus projetos, especialmente em “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas) é tratada sem maior profundidade. O filme também acabou ficando longo demais e sua parte final se arrasta, mesmo sendo bastante divertida. Se tivesse uns dez ou vinte minutos a menos,a aventura seria mais agradável.
À frente do elenco, Eva Green consegue passar bem o tom benevolente e, ao mesmo tempo, imponente e misterioso da Srta. Peregrine e mostra que sua parceria com Burton (iniciada com o fracassado “Sombras da Noite”) ainda pode render bons frutos. Asa Butterfield está bem seguro como Jake e faz com que o espectador simpatize com suas questões em descobrir qual é o seu lugar no mundo. Entre as Crianças Peculiares, o destaque vai para a pouco conhecida Ella Purnell, que tem alguns dos momentos mais emotivos da trama ao lado de Butterfield.
Já Judi Dench pouco tem a fazer como a Srta. Avocet, assim como George O’Dowd e Rupert Everett, que aparece no filme irreconhecível como um ornitólogo. Mas quem rouba as cenas é mesmo Samuel L Jackson, que parece estar se divertindo como o terrível Barron. Com um visual bem inusitado e, ao mesmo tempo, sinistro, o ator usa todo o seu carisma para tornar seu vilão realmente intimidador e marcante. Se não fosse por ele, o terço final do filme poderia não funcionar a contento.”O Lar das Crianças Peculiares” é, no fim das contas, um bom filme de fantasia que erra de tom aqui e ali, sendo adulto demais em alguns momentos (com cenas que podem chocar os mais novos) e infantil além da conta em outros, embora esteja longe de ser desagradável. Com bons efeitos especiais (inclusive com uma divertida homenagem ao clássico “Jasão e os Argonautas”), a produção pode não ser uma das mais notáveis da carreira de Tim Burton, mas certamente não deve dar a sensação de que o espectador jogou o seu dinheiro fora ao fim da sessão. Como é a adaptação do primeiro livro da série de Ransom Riggs, provavelmente teremos continuações nos próximos anos (com ou sem Burton). Vamos esperar para ver se Alma Peregrine e sua turma reaparecerão em breve.
Filme: O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children)
Direção: Tim Burton
Elenco: Eva Green, Asa Butterfield, Samuel L Jackson, Terence Stamp
Gênero: Aventura/Fantasia
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Fox
Classificação: 12 anos
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