William Hurt, que muitas vezes interpretou o papel de um intelectual, antes de suas aparições nos filmes de ficção científica e do Universo Compartilhado da Marvel, morreu no último domingo (13), apenas uma semana antes de seu aniversário de 72 anos.
O filho de Hurt postou: “ É com grande tristeza que a família Hurt lamenta o falecimento de William Hurt, pai amado e ator vencedor do Oscar, em 13 de março de 2022, uma semana antes de seu aniversário de 72 anos. Morreu pacificamente, entre familiares, de causas naturais. A família pede privacidade neste momento”. Diagnosticado em 2018 com o câncer de próstata terminal que logo se espalhou para os ossos, William com sua extensa filmografia e boas interpretações continuou trabalhando, deixando vários trabalhos em pré-produções e de sua carreira iremos homenagear.”
Vida
William McChord Hurt nasceu em 1950. Seus pais trabalhavam no Departamento de Estado, uma função que viu a família se mudar para Lahore, Mogadíscio e Cartum. Em 1960, seus pais se divorciaram e sua mãe, jornalista da Time, casou-se com o editor Henry Luce III. Hurt frequentou a Middlesex School, onde foi vice-presidente de um clube teatral e teve o papel principal em várias peças da escola.
Terminou o Ensino Médio em 1968 e seu anuário já previu: “você pode até vê-lo na Broadway”. Hurt frequentou a faculdade de teologia, mas se voltou para atuar e ingressou na Juilliard School (1972-1976), onde estudou na mesma classe de Christopher Reeve (1952-2004) e Robin Williams (1951-2014).
Hurt passou os primeiros anos de sua carreira no palco entre escolas de teatro, apresentações de verão e regionais e off-Broadway, aparecendo em mais de cinquenta produções, junto a companhia de teatro Circle Repertory Company.
Em uma delas, na peça “My Life” (1976) ao lado de Jeff Daniels (1955) e Nancy Snyder (1949) (foto abaixo), ganhou um Obie por sua atuação, como também venceu um Theatre World Award (1978).
Logo, foi convidado para a televisão com a participação na série Kojak, ao lado de Maud Adams (1945), Ken Kercheval (1935-2019) e Robert Picardo (1953), mas preferiu seguir no teatro pela proximidade do público.
Cinema
Famoso no teatro, estreou no cinema em 1980 na ficção científica Viagens Alucinantes (Altered States), na qual seu desempenho como um cientista obcecado lhe rendeu amplo reconhecimento, sendo nomeado ao Globo de Ouro 1981 como Melhor Ator Revelação do Ano.
Em 1981, Testemunha Fatal (Eyewitness), um thriller de conspiração inusitado e repleto de estrelas, no qual Hurt é Daryll Deever, um zelador de um prédio de escritórios e grande fã da repórter Tony Sokolow, vivida por Sigourney Weaver (1949). Um assassinato os unem para solucionar e iniciarem um romance.
Mesmo ano, segue em Corpos Ardentes (Body Heat), como Ned Racine, um advogado em decadência que entra em uma trama de traição e morte.
Kasdan o convidou para o comovente O Reencontro (The Big Chill, 1983) sobre uma reunião de ex-amigos da faculdade em um fim de semana em uma casa de férias na Carolina do Sul, após o funeral de um outro amigo.
Em Mistério no Parque Gorky (1983) Hurt é um policial moscovita que investiga um triplo homicídio e é confrontado com uma conspiração política internacional. Uma boa adaptação do livro de Martin Cruz Smith, que é uma joia pouco conhecida, merece ser conferida.
O Oscar por O Beijo da Mulher Aranha
Hurt e Raul Julia (1940–1994) interpretam companheiros de cela, um gay, o outro heterossexual, apodrecendo em uma prisão brasileira indeterminada sob o polegar de ferro da ditadura.
The Kiss of the Spider Woman foi um filme de Héctor Babenco, que por meio de uma adaptação de Leonard Schrader, transfere para a tela uma das obras mais célebres do escritor argentino Manuel Puig.
Uma pequena obra de câmara, quase circunscrita a um único espaço com dois únicos personagens, rompido por metanarrativas para dar forma visual a um quebra-cabeça de histórias. na forma de filmes (imaginários) dentro da história principal.
Brilhante trabalho do argentino e as interpretações de Hurt e Júlia constroem as duas posições opostas da masculinidade, uma exacerbando sua feminilidade (Luis Molina) e a outra inclinando-se para uma masculinidade tradicional (Valentín Arregui), forçada a compartilhar o mesmo espaço reduzido.
Hurt desenvolveu a caracterização e os maneirismos de Luis, uma drag queen brasileira que foi presa por ser gay. Foi o primeiro Oscar ganho por um ator por interpretar um personagem abertamente gay, também ganhou o BAFTA, o Cannes, entre outros pela interpretação que nos lembra o quanto temos que entender sobre respeito sobre gênero e politica.
Em 1986, Hurt estreia Filhos do Silêncio (Children of a Lesser God), em que interpreta James Leeds, um professor de uma escola para surdos se apaixona pela zeladora que nasceu com perda auditiva total (Marlee Matlin). Um papel brilhante que foi nomeado ao Oscar e ao Globo de Ouro daquele ano. No vídeo abaixo, a cena na qual tenta comunicar o Concerto para 2 Violinos de Bach com seu corpo. Inesquecível…
Segue Nos Bastidores da Notícia (Broadcast News) que satiriza o jornalismo norte americano e é açucarado sem ser piegas, onde foi nomeado mais uma vez ao Oscar, com Holly Hunter e Albert Brooks (foto abaixo).
Em 1988 participa do fraco Momento do Destino (A Time of Destiny), uma novela na Segunda Guerra Mundial e do adorável O Turista Acidental (The Accidental Tourist), outro do roteirista e diretor Kasdan. Hurt é Macon Leary, um escritor de guias de viagem emocionalmente distante deve continuar com sua vida depois que seu filho é morto e seu casamento desmorona.
Os anos 1990
Hurt que surpreendeu pelo nível de obsessão com cada cena em que participava e sua preparação metódica e trabalho de ensaio para cada plano em que ele iria aparecer.
A comédia Te Amarei Até te Matar (I Love You to Death) de Lawrence Kasdan, abre a década. O filme sobre a vingança de uma esposa (Tracey Ullman) contra seu marido mulherengo (Kevin Kline), Hurt faz o papel com Keanu Reeves (1964) como uma dupla de viciados hilários que foram contratados para matar o personagem de Kline.
Segue Simplesmente Alice (Alice, 1990) de Woody Allen, como o marido egocêntrico de Mia Farrow (1945); protagoniza Um Golpe do Destino (The Doctor, 1991) como Jack McKee, um médico bem-sucedido, extremamente egocêntrico que é diagnosticado com câncer; Até o Fim do Mundo (Bis ans Ende der Welt, 1991), de Wim Wenders, um sci-fi dramático, onde é um fugitivo da lei que está sendo perseguido pela CIA (na foto com Solveig Dommartin (1961–2007); e A Peste (La Peste, 1992), como um médico em meio a um surto de uma doença contagiosa. (na foto com Jean-Marc Barr).
Em 1993 participa do elenco de Um Amor de Verdade (Mr. Wonderful) e em 1994 de Tribunal Sob Suspeita (Trial by Jury). Volta ao protagonismo como Graham Holt, um solitário carteiro galês, adota James, um problemático garoto de dez anos em Uma Nova Chance (Second Best, 1994)
Participa de Cortina de Fumaça (Smoke, 1995). Ele faz o papel de um escritor desiludido, após uma tragédia pessoal. Mas os hilários, esquisitos, sofridos e sábios habitantes do Brooklyn o fazem ver a vida de outro jeito.
Protagoniza Um Divã em Nova Iorque (Un divan à New York, 1996) com Juliette Binoche (1964), uma comédia romântica da belga Chantal Akerman (1950–2015), sobre uma troca anônima de apartamentos entre um psicanalista nova-iorquino de sucesso e uma jovem dançarina parisiense.
Segue Crime Passional (Loved, 1997), Cidade das Sombras (Dark City, 1998), A Proposta (The Proposition, 1998), Um Amor Verdadeiro (One True Thing, 1998), Anel de Corrupção (The Big Brass Ring, 1999), O Quarto Andar (The 4th Floor, 1999), Sunshine – O Despertar de um Século (1999), Tiros na Escuridão (Do Not Disturb, 1999), entre outros, mas o papel mais conhecido foi o do o professor John Robinson pela adaptação de Perdidos no Espaço (1998).
Os anos 2000 em diante
Hurt inicia a década com trabalhos menores e protagoniza Contaminação (Contaminated Man, 2000) como um cientista que perdeu a família após uma contaminação biológica. Anos depois, lidera uma equipe de materiais perigosos que investiga um acidente industrial perto de Budapeste.
Mas logo estrearia em dois papéis marcantes: na série Duna, como o Duque Leto Atreides e como o professor Hobby em A.I.: Inteligência Artificial (IA, 2000).
Entre participações especiais em séries, interpretações mais comedidas em filmes, os principais papéis foram:
Nomeado ao Oscar por Marcas da Violência (A History of Violence, 2005), num papel estupendo, vide vídeo abaixo com Viggo Mortensen (1958):
Em Na Natureza Selvagem (Into the Wild, 2007) – a última vez que vemos Walt McCandless, seu no filme – um cena com a expressão precisa de não querer ceder ao desespero, mas o desespero é muito grande.
Universo Marvel
Em 2008, estreia como General Thaddeus ‘Thunderbolt’ Ross no Universo Cinematográfico da Marvel (UCM) em O Incrível Hulk (The Incredible Hulk, 2008). Apareceu depois em Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016); Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinity War, 2018), Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame, 2019) e Viúva Negra (Black Widow, 2021). O ator baseou sua atuação como General Ross no Capitão Ahab, o capitão obsessivo que perseguia Moby Dick sem parar.
Há boatos seguros que indicam que teremos uma importante participação do General Ross na futura série da Mulher-Hulk, que estreia no Disney + na segunda metade de 2022. Se a informação se concretizar, a série pode ser a última participação do ator no MCU, marcando sua despedida.
Os últimos anos
Entre cada filme dentro do UCM, Hurt fez muitos mais trabalhos, de 2008 e diante, nos quais destacamos:
Despedimo-nos do ator dedicado que deixou a animação Pantheon como dublador, e em pré-produção três filmes: The Fence, Men of Granite e Edward Enderby. Deixa 4 filhos e que descanse em paz, grande William.