O Nascimento de uma Nação já traz em si tanta controvérsia que seus efeitos amplificam sua dimensão como discurso cinematográfico. A estreia na direção do ator Nate Parker já coloca o dedo na ferida com seu título, homônimo da produção de 1915, de D. W. Griffith, que, mesmo marcando o cinema pelo apuro técnico – em tempos tão rudimentares – também expôs seu viés assumidamente racista, como um panfleto de exaltação à Klu Klux Klan. Mas do que ironia, Nate, que também assina o roteiro, já mimetiza seu filme com provocação.
Depois tem um fato pessoal que parece estar esfriando a amplificação do longa: o diretor foi acusado de um caso de estupro na época da faculdade. Mesmo tendo sido inocentado, supostamente até pela vítima, o caso ganhou ainda mais reverberação pois a mesma cometeu suicídio, há cerca de quatro anos. E para completar, o filme chega ao Brasil exatamente um dia depois da surpreendente vitória nas urnas de Donald Trump, o que inflama a já bastante inflamada tensão racial nos EUA, especialmente por suas posições xenófobas e classicistas.
Baseado na história verídica de Turner, um ex-escravo que pregava o evangelho para negros, após presenciar todo tipo de tortura com seus irmãos, nota na bíblia a chave para justificar que tanto almeja. “Lembrarei que Ele também é um Deus da ira” diz ele, em momento chave da trama. Assim, a única saída para a libertação só poderia ser a luta armada e uma rebelião coletiva de escravos.
Parker brilha mais como ator do que como diretor, mas ainda assim seu filme tem uma contundência assertivamente dolorosa ao retratar a escravidão, principalmente pela perspectiva do escravo. Recentemente tivemos bons exemplos de filmes que compreendem o tema, como o maravilhoso (e duríssimo) 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen.
Até por essa experiência, O Nascimento de uma Nação perde um pouco sua força, dada a necessidade de estilização constante da trama, algo muito compreensível num primeiro filme (como é o caso), mas que salta na tela quase como uma mera tipificação. Entretanto, a história que Nate tem em mãos é forte o bastante para lhe conceder muita humanidade. Do sólido arco dramático do protagonista, até a não romantização da relação do homem branco com os escravos, contribuem para que a narrativa seja mais envolvente que sua plasticidade.
Muito bem fotografado e com algumas cenas arrepiantes de tão inspiradas – a retaliação contra negros após a rebelião de Turner, em que as imagens são contadas através da música “Strange Fruit”, na voz de Nina Simone (um triste hino sobre o racismo no sul dos EUA), é de arrepiar – O Nascimento de uma Nação traz o impacto do passado para relativizar sua controvérsia frente ao presente. Só por isso já pode ser um grande filme, para além de suas ressalvas. Mas como carrega em si algumas complexidades de seu próprio discurso, o filme acaba perdendo em completude, mas ganhando em contundência e perturbadora reflexão.
Filme: O Nascimento de uma Nação (Birth of a Nation)
Direção: Nate Parker
Elenco: Nate Parker, Armie Parker, Mark Boone Jr.
Gênero: Drama Histórico
País: Estados Unidos
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Fox Filmes do Brasil
Duração: 1h 50 min
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