AcervoCríticasFilmes

O poder de “Mãe Só Há Uma” está na identidade de Anna Muylaert

Compartilhe
Compartilhe

A cada novo filme, é flagrante o quanto o cinema brasileiro necessita de Anna Muylaert. Uma necessidade quase institucional, no sentido de dar dimensão humana aos arquétipos que costumam identificar o face do nosso cinema. Seus filmes são construídos de dentro para fora, ou seja, é pelo desenvolvimento de seus personagens que se justificam suas histórias. Com isso, todos os seus filmes são crônicas cotidianas que se valem de sutilezas para expor exatamente o que há de controverso na aparente normalidade.

Mãe Só Há Uma é sua mais nova demonstração dessa habilidade. Anna investe aqui nos revezes silenciosos da desconstrução da identidade de um jovem (Naomi Nero, ótimo) que descobre, do dia para noite, não ser quem imaginava que fosse. O seio familiar da qual achava que fosse o seu, era falso e o filme parte dessa desestabilização.

Pierre é um jovem de 17 anos que não liga muito para os padrões de gênero e sexualidade impostos pela sociedade. Costuma a usar unhas pintadas com esmalte, roupas sociais e íntimas femininas e se relaciona tanto com mulheres quanto com homens. Tudo muda em sua vida quando a polícia descobre que ele foi roubado na maternidade pela mulher que o criou.

Sua família biológica, composta pelo pai (Matheus Natchergaele), a mãe (Dani Nefussi) e o irmão mais novo (Daniel Botelho), estava a procura do filho perdido durante 17 anos. A trama de Mãe Só Há Uma foi livremente inspirada no caso do sequestro do menino Pedrinho, que parou o Brasil no ano de 2002.

105289

O roteiro poderia ir por diversos caminhos, espacialmente na objetividade da investigação desse rapto. Mas Anna não é uma diretora óbvia (o roteiro também é dela), e a história ganha camadas bem mais intrigantes (até desconcertantes) quando debruça sobre o conflito interno que o externo atribui sobre esse jovem.

As peças desse jogo se constroem por gestos: seja pela perspectiva resignada do irmão biológico que acabou de conhecer (um dos personagens mais interessantes do filme), seja pela abordagem iconoclasta de sua sexualidade (precisa, crível e nada idealizada) ou até mesmo pela fotografia que tanto nos aproxima de sua visão desencantada.

Após a urgência e assertividade de Que Horas Ela Volta?, um dos melhores lançamentos do ano passado, Muylaert volta com sua precisão para falar de identidade, algo que ela tem tanta, que se torna fundamental para um cinema tão frágil como o brasileiro.

Compartilhe
Por
Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

Comente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos
CríticasFilmes

Wicked faz transposição acertada do palco para a telona

Adaptação de musical da Broadway para o cinema é sempre uma manobra...

CríticasLiteratura

Como Treinar o Seu Dragão e Como Ser um Pirata – Uma jornada hilária e cheia de significado

Na época dos vikings todos os adolescentes deviam demonstrar suas habilidades caçando...

ClássicosCríticasFilmes

Joe Kidd (1972): Entre o Clássico e o Revisionismo do Faroeste

O faroeste, como gênero, sempre refletiu o seu tempo, ora reverenciando o...

AgendaFilmes

Mostra CineMina apresentará filmes de diretoras brasileiras no Estação NET

A Mostra CineMina apresentará em pré-estreia nove filmes brasileiros dirigidos por cineastas...

FilmesInfantilTrailersVideos

Como Treinar o Seu Dragão: live-action ganha primeiro trailer

Os fãs da saga “Como Treinar o Seu Dragão” têm motivos para...

FilmesNotícias

Ainda Estou Aqui bate 1 milhão de espectadores nos cinemas do Brasil

O filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, superou a marca...

AnimeCríticasTV

Dandadan: O anime que vai te deixar de queixo caído!

O último trimestre de 2024 trouxe um anime de peso especial, e...

FilmesNotícias

Filme de Star Wars sai do calendário 2026 da Disney

O drama de Star Wars parece mesmo longe do fim. Apesar de...