Do lixo ao luxo, esse bem poderia ser o lema das pornochanchadas produzidas pelo cinema nacional entre 1969 – ano de estreia de “Os Paqueras”, dirigido por Reginaldo Faria – e a primeira metade da década de oitenta, quando o gênero rendeu-se ao esgotamento e à competição das produções estrangeiras, além da opção pelo cinema pornô por alguns personagens históricos dessa fase da filmografia brasileira.
Fortemente influenciada pelo cinema italiano – em especial as comédias – das décadas de sessenta e setenta, onde o erotismo era o principal pilar, a pornochanchada aderiu à roteiros que abusavam do sexismo, da ironia e sarcasmo ao retratar uma realidade brasileira pautada pela influência da ditadura militar e de uma revolução sexual tardia se comparada a outros países. Contudo, a visão apresentada era geralmente de cunho anacrônico e ambíguo ao que se propunha uma abertura sexual e mudanças de costumes.
Não à toa, a pornochanchada ficou marcada por expressões de machismo, homofobia e demais preconceitos. Elementos recorrentes eram a exposição da mulher como objeto de prazer, a ridicularização dos homossexuais e a valorização do pensamento conservador (note-se o antagonismo com o período de liberdade sexual citado e a luta contra a ditadura brasileira, sobretudo entre a classe artística e os intelectuais) – embora, diga-se, seus produtores e roteiristas não possam ser de nada acusados, pois tais manifestações eram a visão recorrente da sociedade brasileira à época. Trabalhando com uma temática incomum, as perversões e desejos da classe média emergente, muitas vezes com pouco ou nenhum apreço pelo refinamento das edições (o lixo), esses filmes foram responsáveis pelas grandes bilheterias da época (o luxo).
Sem atingir sucesso de crítica, as pornochanchadas foram responsáveis por garantir a sobrevivência do cinema nacional, a lapidação de talentos artísticos entre àqueles atrás das câmeras e o emprego bem remunerado de inúmeros astros nacionais. Os filmes eram a chance dos marmanjos verem as curvas de Vera Fischer, Lucélia Santos, Matilde Mastrangi, Sandra Barsotti e outras. Artistas como Reginaldo Faria, Nuno Leal Maia e Antônio Fagundes eram recorrentes nos filmes; por trás das câmeras, até o talento de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, foi emprestado ao gênero. Era de Mojica uma das produtoras mais profícuas da época.
As pornochanchadas conseguiram abocanhar uma importante fatia no mercado nacional, chegando ao ponto de incomodar as gigantes americanas que investiram em produções filmadas parcial ou totalmente no Brasil (destaque para ‘007 Contra o Foguete da Morte’, de 1979) como forma de voltar a cativar o público nacional e abrir espaço para Hollywood.
A boca do lixo
Parte importante da produção cinematográfica brasileira entre os anos 20 e 80 foi pensada, produzida ou editada na região da Boca do Lixo, assim conhecida não oficialmente uma pequena área do centro da capital paulista, mais precisamente no bairro da Luz. A partir de 1920 algumas empresas cinematográficas como a Paramount, a Fox e a MGM se instalaram na região, atraindo inúmeras outras empresas do gênero para o entorno nos anos seguintes. Muitos desses produtores foram os responsáveis pela realização dos filmes do período da pornochanchada (aproximadamente 700), alguns intercalando suas produções entre o ‘cinema de verdade’, assim classificados filmes que fugiam do gênero, e as pornochanchadas.
Ascensão e agonia da pornochanchada
Além do evidente sucesso moldado pelo erotismo e pela curiosidade do público em observar os corpos das grandes musas brasileiras da época, as produções foram beneficiadas por leis de reserva de mercado durante os anos setenta que garantiam a exibição de cotas nos cinemas. Ao cair, durante os anos oitenta, as cotas, da mesma forma como alavancaram o sucesso do gênero, foram peça fundamental para o seu declínio. Os anos oitenta representam também o crescimento da indústria do pornô explícito no Brasil, o que enterrou de vez as pornochanchadas.
Nelson Rodrigues e as pornochanchadas
Nelson Rodrigues já era famoso quando as pornochanchadas começaram a ser produzidas no Brasil. Com vários dos seus títulos adaptados ao cinema, Rodrigues emprestou sua credibilidade ao gênero.
Entre os trabalhos do escritor, que ganharam as telas nesse período, destacam-se; Toda Nudez Será Castigada (1973); O Casamento (1975); Os Sete Gatinhos (1980); Bonitinha mas Ordinária ou Otto Lara Rezende (1981); todos com estrondoso sucesso.
Se por um lado Rodrigues cedeu seus principais trabalhos às pornochanchadas, dela recebeu a alcunha de pornográfico.
Para saber mais: Parte desse período foi retratado em “Histórias que Nosso Cinema (não) Contava”, da diretora Fernanda Pessoa.