“Precisamos Falar Sobre Kevin” consegue humanizar até a perplexidade

O relacionamento materno e suas implicações para a construção do caráter de uma criança sempre rendeu teorias e construções narrativas ricas em pessoalidades e aspectos Freudianos. Mas quando esse tema esbarra na urgência da tragédia, mesmo que isso se correlacione diretamente com a conhecida temática da tragédia grega, são pelas reflexões humanistas que confrontamos algumas reflexões que emanam de um tema tão sagrado e assimilável.

Adaptação de um dos livros mais perturbadores dos últimos anos, o romance epistolar “We need to talk about Kevin” (no original), de Lionel Shriver, Precisamos Falar Sobre Kevin é um filme que abarca esse panorama íntimo e universal sobre a desconstrução dos paradigmas que existem na relação mãe e filho. A diretora Lynne Ramsay tem a assertiva ideia de narrar essa biografia através do reflexo de metáforas que vão tentando desvendar, de maneira um tanto dolorosa, o que move e justifica (ou não) aqueles seres. A cena da britadeira já figura entre as mais interessantes do cinema moderno.

O filme acompanha a ordinária vida de Eva que, em flashbacks, submerge em conflitos internos e externos para tentar entender, no presente, as razões que a levaram a ter uma relação de injustificada rejeição ao seu filho, desde que nasceu e como isso pode (ou não) ter sido responsável pelo sadismo em pessoa que o filho se tornou na adolescência, a ponto de cometer uma chacina sem precedentes.

A mão implícita da diretora é muito importante para que a trama não caia no discurso das certezas, quando esse conflito, na verdade, se apresenta por si só como uma válvulas de reflexão, não de apontamentos. Entender a estranha ambigüidade dessa mãe e a quase pueril perversidade desse filho, passa por caminhos que vão além de arquétipos vilanescos, mas da mais pura propriedade psicológica humana, o que cai na subjetividade da discussão.

Não consigo entender como o Oscar ignora uma interpretação tão pungente e desoladora como a de Tilda Swinton, que agrega ao filme uma áurea de retrato social, quase um documentário, pela forma totalmente demovida de maneirismo cênico, com que incorpora aquele trapo de mulher que a vida tornou. Ezra Miller, em grande papel, promete grande carreira no cinema e John C. Reilly sabe como ninguém, fazer o papel do marido omisso e boa praça.

Precisamos Falar Sobre Kevin é filme para discussões intermináveis e eu mesmo tive várias com amigos que o viram. Mas o mais intrigante é que essas discussões passam pela perplexidade de não se ter uma resposta para o que a história apresenta. E talvez é isso que perpetue o discurso do indizível que tanto o filme suscita.

[xrr rating=4.5/5]

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