A prolixidade de Malick e a psicanálise de Lars Von Trier

Há cerca de um ano, alguns dos principais jornais do país, em seus suplementos de cultura, levantaram a discussão sobre o provável fim do cinema de autor do cinema contemporâneo. Ainda que contasse com alguns bons argumentos, acompanhei a discussão com certa descrença. O cinema americano sim está em crise, não o cinema de autor como um todo. Todos os anos, e de várias partes do globo, são despejados centenas de filmes com suas ambições artísticas, políticas e/ou discursivas. O cinema filipino (na conjuntura atual) que o diga… Tudo isso para falar de dois filmes de fortes acentos autorais que vêm movimento o circuito cinematográfico atual: Melancolia, de Lars Von Trier e A Árvore da Vida de Terence Malick.

O filme de Malick trafega por fortíssimas linhas filosóficas e experimentais ao traçar o cotidiano (um tanto poético) de uma família texana na década de 50. O cineasta, que é conhecido pelo excesso de preciosismo em suas raras obras, nos últimos 30 anos, faz um filme de contemplação sob as leis discursivas do filósofo Heidegger, buscando traçar justificativas existenciais do homem em meio a imensidão da natureza. Não à toa, exibe imagens do sistema solar e até de dinossauros. Não levanta questionamentos para tal (e nem creio ser essa uma obrigação!), mas também ao permear sobre o “tema” acaba se traindo no excesso de prolixidade. Isso é tão claro que o miolo do filme, que compreende as relações humanas da tal família com a reverberação dos instintos infantis, é de uma grandeza (e pura cinefilia) invejável. O que contrasta com o prólogo e o epílogo que soam pretensiosos e disléxicos demais na generalidade do que se propõe.

Em suas abstrações estéticas, Malick foi muito mais feliz e eficiente no melhor filme de guerra já feito: Além da Linha Vermelha.
Melancolia, por outro lado, é uma interessantíssima metáfora psicanalítica também sobre o existencialismo do homem no universo, mas de uma maneira mais sagaz. Dividido em duas partes, o filme acompanha o casamento de Justine (Kirsten Dunst, genial), onde a mesma é tomada pela urgência da depressão, tendo de “enfrentar” os presentes, dentro de suas representações sociais. Essa primeira parte, revela um Trier inspirado, misturando autoreferências (Dogma 95?) com estéticas das mais tradicionais cinematografias européias. Ali ele acampa sua conhecida criticidade humana, capitalista e, por que não? misantrópica, mas numa “embalagem” tão envolvente, que nos perguntamos se a depressão de Justine é um personagem ou um elemento daquilo que Trier que evocar.

Na segunda parte do filme, vemos o ápice da expressão que o título do filme procura representar. O confronto psíquico entre Justine e a irmã Claire (Charlotte Gainsbourg, que está se especializando em compreender a aritmética cênica de Lars) dá margem para muitas interpretações e, principalmente para ligarmos o processo depressivo do próprio cineasta com a história que quer contar. A teoria do caos anunciado que toma conta de todo esse ato rende momentos de pura poesia, o que não deixa de ser um paradoxo, indo até o clímax final, que diz muito sobre quem ou o que é a polêmica persona de Lars Von Trier.

Daí, diferentemente do que o júri de Cannes atestou (sendo influenciado pelo circo de Trier ou não), eu fico com Melancolia. Muito pela forma complexa mas nada prolixa de expressar um estado de espírito, e nos deixar cabreiros por isso…

A Árvore da Vida [xrr rating=3,5/5]
Melancolia [xrr rating=4,5/5]

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