Silenciadas, um conto feminista cativante sobre as luzes e sombras do nosso passado

O argentino Pablo Agüero apresenta suas credenciais de cineasta do ano com Silenciadas ou ‘Akelarre‘, um ousado e muito moderno exercício cinematográfico sobre a caça às bruxas e as limitações do homem do século XVII, que está no streaming da Netflix.

Com um roteiro co-escrito com Katell Guillou, baseado em um livro medieval, Silenciadas conta a história de uma caça às bruxas no País Basco em 1609.

Numa aldeia portuária, onde os homens do local foram para o mar. Ana, de 17 anos, participa pela primeira vez de uma festa noturna na floresta com outras meninas da aldeia. Ao amanhecer, são presas. O juiz Rosteguy De Lancre, encarregado do rei para purificar a região, as acusa de bruxaria. Certo de que encontrou realmente suas presas, decide fazer todo o possível para fazê-las confessar o que sabem sobre o Coven, a cerimônia mágica durante a qual o demônio aparecia.

Análise

A bruxaria sempre esteve presente no cinema. Mais recentemente, a nova versão da Convenção das Bruxas saiu, Oz Perkins apresentando Gretel e Hansel: A Dark Fairy Tale e títulos tão variados como A Bruxa da Casa ao Lado, Hereditário ou mesmo Esquadrão Suicida traziam o tema para suas narrativas. Agüero se destaca de todos e traz um filme original com um elenco de jovens atrizes que estão imensas em seus papéis.

A edição com uma montagem moderna, criando um estilo próprio, da veterana Teresa Font, responsável pela montagem de filmes como Dor e Glória (2019), O Contrário do Amor (2011), O Dia da Besta (1995), entre outros;

A História e sua feminilidade

Em 1609, o juiz Pierre de Lancre percorreu o País Basco dentro do território francês, interrogando centenas de pessoas e condenando dezenas de mulheres à fogueira por alegados atos de bruxaria. Compilando histórias sobre o sabá das bruxas (akelarre, em basco) que aparentemente tendia mais sair de sua própria imaginação do que de alguma evidência real da existência.

O filme segue vagamente um livro que este juiz conta suas experiências; Agüero e Guillou pegam essa ideia e constroem sua história marcada por seu feminismo contundente e uma abordagem diferente daquela que estamos acostumados. Os roteiristas triunfam com o uso da feminilidade para desmascarar o verdadeiro mal da ignorância medieval. Essa interpretação desse momento histórico é muito rica, com suas múltiplas dimensões projetadas no presente.


Em apenas 90 minutos, Silenciadas conta uma história interessante e formalmente ousada, uma boa amostra que podemos tratar do sobrenatural, sem o sobrenatural. Afinal, tudo o que as meninas fizeram foi cantar e dançar na floresta e conversar sobre suas intimidades. A Igreja não podia permitir comportamentos “impróprios” de jovens que deviam submeter-se ao homem ou aos cuidados da casa.

As cenas duras de cativeiro, interrogatórios e torturas são absolutamente atuais e, ao mesmo tempo, em ida e volta, impõem a marca de “medieval” a todos os autoritarismos, fundamentalismos e abusos políticos que se seguiram.

A narrativa é um jogo entre o rato e o gato por conta de uma estória inventada pelas meninas. A líder do grupo é interpretada de forma sensacional pela jovem atriz Amaia Aberasturi. As atuações de Garazi Urkola, Irati Sáez de Urabain, Jone Laspiur, Lorea Ibarra e Yune Nogueiras, todas estreantes e cheias de uma espontaneidade incrível, estão perfeitas.

Conclusão

Silenciadas combina ironia e sensualidade para conseguir narrar uma história iluminada ambientada num cenário sombrio. É assim que Pablo Agüero consegue retratar com realismo a história desse juiz e o encontro com o seu Coven. Um papel desempenhado com grande solidez por Àlex Brendemühl. Um filme que constitui uma poderosa e lúcida crônica do fanatismo religioso machista e misógino da Inquisição, e com um olhar feminista que projeta esses elementos para o presente. Bom filme, recomendamos.

Nota: Muito bom – 3.5 de 5 estrelas

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