Silvio é uma lista de equívocos

O primeiro erro de “Silvio” já reside em algo primordial para um filme desempenhar comercialmente: a divulgação. A produção se vende como uma cinebiografia e não é exatamente isso. Na verdade houve uma mudança de planos. Seria uma história inspirada no sequestro de Silvio Santos, mas com personagens fictícios, mais ou menos como “Bingo” fez com a história do Bozo. No fim das contas, optou-se por contar a história real, e logo a seguir, veio a ideia de mostrar o sequestro que se tornou um dos maiores eventos midiáticos da história do Brasil entremeado com fatos da vida pregressa do apresentador.

A trama se inicia 12 horas após o sequestro de sua filha Patrícia, quando Silvio se depara com o sequestrador invadindo sua casa e o fazendo de refém por sete horas. Diante dessa situação de extremo perigo, o apresentador precisa usar de seu talento como vendedor e negociante para sair ileso e garantir a segurança de sua família, enquanto reflete sobre sua trajetória de vida, marcada por desafios e conquistas. Durante a conversa com o criminoso lembranças de sua juventude, quando, aos 14 anos, começou a trabalhar como camelô, dando os primeiros passos em direção ao sucesso, emergem.

O intuito do longa é explorar o lado humano de Silvio, destacando sua resiliência e força interior. O recurso narrativo a que recorre a produção é o de recorte de um episódio marcante na vida do biografado, explorando algumas passagens de sua vida. Eis o outro equívoco. Momentos marcantes da vida de Silvio Santos são colocados em formato de videoclipe, ou flashback de novela. E na maioria das vezes essas passagens terminam sem a amarração necessária, interrompidas abruptamente pela ação principal. É nesse ponto que surge a grande dúvida dos realizadores que colocou tudo a perder. O filme acaba em uma indecisão entre o episódio e a trajetória, deixando ambos a desejar. E ainda há uma subtrama policial com personagens contraditórios e resolução sem sentido.

O que se passa no sequestro, obviamente, não é 100% apurado. Daí, foi necessário usar a mesma saída de “Dois Papas”. Imaginar o que foi conversado dentro da mansão de Silvio Santos e daí extrair os diálogos. Alguns funcionam, outros parecem tirados de um livro de autoajuda quando o dono do SBT tenta convencer o jovem sequestrador a dar um rumo diferente para sua vida.

A direção segue o convencional, apenas funcional para contar a história, sem muita ousadia. Marcelo Antunez (de “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” e “Rodeio Rock”) procura direcionar a lente de forma bastante protocolar e metódica para a ação, e até tenta arriscar um pouco mais artisticamente quando mostra os eventos do passado. Todavia, a fluidez é bastante comprometida pela edição capenga, que em alguns momentos lembra um vídeo de youtuber que deixou escapar um frame que deveria ter sido editado.

O roteiro de Newton Cannito e Anderson Almeida, embora busque a humanidade da figura pública, não esconde a intenção de tributo, evitando qualquer menção a passagens controversas, como o Banco Panamericano, por exemplo.

Rodrigo Faro no papel de Silvio Santos sofre com uma caracterização equivocada e demora para encontrar o tom correto. Com isso, vai se alternando entre momentos em que encarna o personagem de forma um tanto caricata, os em que não há nenhum traço de semelhança com o empresário e outros (raros) nos quais ele atinge um certo equilíbrio. Johnnas Oliva já interpretou o sequestrador na série “O Rei da TV”, então está à vontade no personagem, ainda que a direção de atuação o direcione para um tom acima na maior parte do tempo.

Por fim, Silvio perde a chance de realizar uma bela cinebiografia, um tenso thriller policial sobre o sequestro que parou o Brasil, e o que temos com a soma de ambas as propostas é um cipoal de passagens que não se comunicam adequadamente, deixando o espectador que esperava ver a história definitiva de Silvio Santos na telona com um gosto amargo na boca, ainda mais agora que, com o falecimento do apresentador, o longa acabou ganhando viés de homenagem póstuma.

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