“Simonal” é uma cinebiografia correta, mas faltou o “champignon”

Wilson Simonal de Castro foi um dos personagens mais controversos da música popular no Brasil. O nosso Harry Belafonte chamava atenção pelo alcance e a potência vocal, pela maestria com que dominava as plateias e pelo estilo de vida extravagante. Era um negro que, em plena década de 60, colecionava carrões e estava sempre cercado de belas mulheres, quase sempre brancas, como os rappers e jogadores de futebol famosos de hoje em dia.

No entanto, devido a um incidente envolvendo o DOPS, a polícia do Regime Militar, ganhou fama de delator, virou inimigo da classe artística e da intelligentzia (majoritariamente contrária ao regime) e caiu no ostracismo até virar cult, já no fim da vida, ali por meados da década de 1990.

Esse enredo é um prato cheio para documentário e uma cinebiografia. “Simonal” conta pela primeira vez no formato ficcional a ascensão e queda desse que durante um breve período foi o ídolo das multidões no país. Uma trajetória que se molda perfeitamente à estrutura narrativa convencional das cinebios. Conhecemos o artista em sua luta para alcançar o sucesso, posteriormente seu auge, a decadência ou algo que se interponha no caminho causando turbulência, e, em alguns casos, a redenção.

E é justamente o que a produção da Downtown Filmes se propôs, contar a história do artista de forma linear e de uma forma bastante convencional. Não apenas na sua constituição mas em outros aspectos como as atuações. Apesar de não apresentar tanta semelhança física (é mais retinto e tem traços um pouco menos marcantes), Fabrício Boliveira interpreta Simonal competentemente, mas seguindo uma receita.

O roteiro e a direção parecem mais preocupados em construir o personagem do que a pessoa do biografado. Isso fica ainda mais evidente na caracterização de Leandro Hassum como Carlos Imperial, que beira a caricatura. A impressão é de que o ator está sempre a uma linha da piada. E sua importância nem fica tão bem explorada, assim como Ísis Valverde no papel da esposa Tereza, servindo mais como escada.

O longa de Leonardo Domingues (que já trabalhou com outra figura da música, Bezerra da Silva, no documentário “Onde a Coruja Dorme”) não tem a intenção de se aprofundar na controvérsia que gira em torno do nome de Simonal. Procura, de certa forma, atribuir à ignorância e uma certa ingenuidade suas finanças descontroladas e as decisões que lhe renderam a pecha de dedo duro. Nesse ponto, pode-se considerar a produção chapa branca (inclusive tem os filhos do cantor, Max de Castro e Wilson Simoninha como compositores da trilha sonora).

Assim sendo, a veia showman que o fez tão famoso poderia ter ganhado mais destaque. A sua habilidade ímpar de arregimentar grandes plateias e promover verdadeiros coros orquestrados de milhares de vozes deveria ser o foco do longa. Mas é colocada como pano de fundo, e realmente ressaltada apenas em um momento, que reproduz o célebre episódio que deixa o teatro onde fazia uma apresentação para a TV, vai ao bar da esquina enquanto uma amestrada plateia canta ‘Meu Limão, Meu Limoeiro’. E quando volta ao posto, retoma triunfante os vocais para delírio do público. Tudo executado em um valente plano sequência.

Houve uma urgência de tratar de fatos que já haviam sido abordados de forma mais do que competente no documentário “Ninguém Sabe o Duro que Dei” em detrimento de um brilhante filme tributo. Outro caminho interessante seria mostrar os anos de ostracismo, sobre os quais não se sabe muito.

“Simonal” acerta em vários aspectos, com uma produção bem cuidada, mostrando arrojo na direção de arte e fotografia, mas faltou o “champignon”, para usar a expressão que o cantor usava para se referir ao toque especial. Mas pegando carona na onda de cinebiografias, não só lá fora como aqui, cumpre com o desiderato de contar para as novas gerações, de forma palatável, a trajetória de um ídolo do passado. E vale prestar bastante atenção na caracterização e interpretação de João Velho como Miele, talvez a melhor em cena.

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