Star Trek completa 50 anos em setembro. No mês de aniversário chega aos cinemas o terceiro filme da retomada que se deu em 2009 sob o comando de J.J. Abrams. Nos EUA o filme estreou em julho, e os fãs brasileiros já puderam conferir algumas sessões especiais. A principal novidade em “Star Trek: Sem Fronteiras” (“Star Trek Beyond”, EUA/2016) é a direção. Sai Abrams, entra Justin Lin (de “Velozes e Furiosos 4, 5 e 6“).
Nesse décimo terceiro filme da franquia cinematográfica (terceiro da retomada) baseada na criação de Gene Roddenberry, estamos no dia 966 da missão de exploração da USS Enterprise com duração de cinco anos. O destino agora é um novo território inexplorado. Após atender um misterioso pedido de socorro, a Enterprise sofre um ataque e o Capitão Kirk (Chris Pine) e sua tripulação vão parar em um planeta remoto, onde acabam separados e sem nenhum meio de comunicação.
Surge a ajuda fundamental da nativa Jaylah (Sofia Boutella) para o reagrupamento. Kirk deverá, então, trabalhar com os elementos que possui para reunir sua equipe e impedir os planos de Krall (Idris Elba), à procura de um objeto em posse do capitão da Enterprise, com o qual pode atingir seu desiderato de destruição.
Para o bem e para o mal, a cinessérie continua olhando para a nova geração. Para o bem por popularizar e perpetuar o legado de um dos universos mais importantes da ficção científica, que sempre foi objeto de culto de fãs ardorosos, mas não tão conhecido do grande público. Para o mal, por confundir simples com simplista.
Claro que há momentos que arrancam sorrisos nos lábios dos antigos admiradores da série original dos anos 60. Mas o tom, no geral, se coaduna com o atual cinema adrenalínico, fórmula mais do que consolidada em Hollywood. É até compreensível se afastar das metáforas e questões filosóficas do seriado em prol de plateias mais jovens, mas privilegiar a ação incessante é de um reducionismo por vezes desrespeitoso com o cânone estabelecido pela matriz. Nesses novos filmes, praticamente todas as soluções encontradas são tiros de phaser ou socos e pontapés.
Quando assumiu o reboot da franquia, J.J. Abrams (que agora assina a produção) não escondeu de ninguém que sua inspiração era Star Wars (franquia que veio assumir em seguida). O pecado foi que, nas duas continuações, o ritmo de montanha russa foi não só levado na literalidade como aditivado. Com isso, o desenvolvimento dos personagens ficou em segundo plano.
“Sem Fronteiras” até esboça explorar o amadurecimento de Kirk como capitão e seu questionamento em relação ao sentido de liderar uma missão sem fim pelo espaço. Mas logo isso é deslocado para segundo plano quando o foco passa a ser a ameaça da trama. O longa ainda repete o contexto de a federação estar sob risco de destruição iminente, o que tira um pouco do peso dramático, justamente pela sensação de dèja vu.
Por outro lado, esse novo capítulo da retomada confirma o novo elenco como o mais adequado que poderia ser escalado. Pine está ainda melhor como Kirk, e Zachary Quinto continua soberbo como Spock. Ele mostra que, de fato, é o perfeito sucessor de Leonard Nimoy. A memória do ator falecido em 2015, eternizado pelo papel do vulcano, pavimenta o arco de sua versão jovem, e rende uma homenagem que certamente levará às lágrimas os fãs de primeira hora.
E sem sombra de dúvidas, no próximo filme sentiremos o desfalque de Anton Yelchin, ótimo intérprete de Chekov, morto este ano. Já a polêmica homossexualidade de Sulu (John Cho) é colocada de forma sutil, que se atenuou ainda mais devido ao corte do beijo gay.
Corroborando com a essência de tributo que permeia o longa, provavelmente o mais afetivo com os trekkers até aqui (nisso ele supera até a produção de 2009), está o clima de episódio da série clássica, que pode ser sentido na trama, a despeito do ritmo frenético. Essa sensação é nítida, sobretudo, quando os personagens se encontram no planeta desconhecido.
Um momento que pode fazer puristas torcerem o nariz é o uso de ‘Sabotage’, clássico dos Beastie Boys, como elemento de uma cena chave. Abrams é fã da banda, e encontrou uma forma de inserir a música, que já aparecia no primeiro filme, rendendo um momento bastante divertido. Mas, repetindo, pode desagradar os mais conservadores.
Para os que estavam ressabiados com a troca de diretores podem ficar sossegados. Lin não transformou “Star Trek: Sem Fronteiras” em um “Velozes e Furiosos” no espaço ou coisa que o valha. O cineasta entrega um filme superior ao anterior, o cansativo e barulhento “Além da Escuridão”. Seu trabalho é bastante comedido, cumprindo o protocolo de diretor contratado, sem impor nenhuma marca autoral ou ousadia estética que chame mais atenção do que a Enterprise e sua tripulação.
No fim, em meio a acertos e equívocos, o saldo de “Star Trek: Sem Fronteiras” é positivo. Apoia-se na força (sem brincadeiras com a franquia “rival”) deste universo e da empatia gerada pelos personagens. Com isso consegue, se não eclipsar, pelo menos equilibrar os incômodos excessos. E assim Star Trek avança por sua quinta década (a quarta no cinema) arregimentando novos fãs e enterrando de vez os pífios derradeiros longas da fase anterior, que mancharam o nome da saga e quase encerraram sua carreira cinematográfica. Por enquanto, Kirk e sua tripulação da U.S.S. Enterprise continuam em mãos hábeis nessa gestão da Bad Robot. E a nova geração tem um Star Trek para chamar de seu.
Filme: Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond)
Direção: Justin Lin
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Sofia Boutella, Idris Elba
Gênero: Ficção científica
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Paramount Pictures
Duração: 2h 03 min
Classificação: 12 anos
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