Super/Man se vale da emoção para prestar tributo a Christopher Reeve

Por uma ironia do destino, o último papel de Christopher Reeve antes da queda de cavalo que o deixou tetraplégico foi o de um policial que após ser alvejado por tiros, tornou-se paralítico, locomovendo-se em uma cadeira de rodas. Em “Super/Man: A História de Christopher Reeve”, acompanhamos o ator, falecido em 2004, cuja imagem é impossível dissociar da do filho de Krypton, em sua luta tanto para recuperar seus movimentos quanto para dar visibilidade às pessoas com limitações de locomoção, buscando acelerar as pesquisas científicas para dar qualidade de vida aos que são acometidos de paralisia.

O filme mostra que quando Reeve fez laboratório para “Sem Suspeita” (1995), o supracitado longa, lançado apenas seis dias antes do fatídico acidente, ele sentia um imenso alívio pelo fato de a impossibilidade de locomoção e o manejo de uma cadeira de rodas se tratarem apenas de atuação. Quando recuperou milagrosamente seus sentidos e sua consciência, após ficar entre a vida e a morte, o eterno Superman, em sua jornada que mobilizou diversos setores em prol da causa das pessoas com deficiência, virou um super-herói da vida real.

Ao longo de 1 hora e 44 minutos a produção se concentra em duas frentes intercaladas: a ascensão do ator a partir do momento em que é escolhido para protagonizar “Superman: O Filme” (1978) e sua vida pós-acidente, como um símbolo da luta pelo avanço das técnicas de tratamento das pessoas com paralisia, tendo criado a sua própria fundação junto com a esposa, a Christopher & Dana Reeve Foundation. Há depoimentos de amigos como Jeff Daniels, que lembra do espanto dos colegas quando Reeve revelou que aceitara o convite para viver o Homem de Aço no cinema, dado que era um ator que possuía uma forte verve teatral, que o encaixaria melhor nos chamados filmes de arte. O ator de “Debi & Loide” conta que William Hurt fez um apelo dramático para que Reeve não pegasse o papel, pois estaria se vendendo à indústria. Susan Sarandon também dá depoimento, inclusive dizendo o quando queria o papel de Lois Lane. Outro destaque do documentário é a amizade com Robin Williams, que foi seu colega de quarto no início da carreira nos idos da década de 1970 e o vínculo seguiu pelo o resto da vida.

É compreensível que esta seja a espinha dorsal do documentário. No entanto, vendê-lo como “a história” de Reeve pode ser um tanto equivocado. O título mais adequado seria “A Batalha de Christopher Reeve”. A carreira de ator pós-Superman é mostrada resumidamente, focando mais no esforço para se manter relevante nos anos 80. “Em Algum Lugar do Passado”, seu filme de maior expressão depois dos longas do herói da DC, passa batido. O polêmico papel de pedófilo em “Busca Desesperada” não é sequer citado. Mesmo alguns detalhes dos filmes do Superman são ignorados, como a coautoria de Reeve no argumento do fracassado “Superman IV: Em Busca da Paz”. Além disso, ficou esquecido um certo icônico momento de reconexão do astro, já cadeirante, com o universo DC. Os fãs mais fiéis, tanto do ator quanto do personagem, não perdoarão a ausência dessa passagem.

A dupla de realizadores Ian Bonhôte e Peter Ettedgui não esconde em nenhum momento que o tom é de tributo, valendo-se da imagem atrelada à de Superman. Isso fica mais evidente (como se precisasse) em um momento em que o discurso na convenção do Partido Democrata nos Estados Unidos é sincronizada com a cena em que o Homem de Aço discursa nas Nações Unidas em “Superman IV”. No entanto, mesmo procurando reforçar a ideia de que Reeve foi super-herói também fora das telas, o longa não foge de questões pessoais mais espinhosas, como o divórcio da primeira esposa, Gae Exton, mãe dos filhos mais velhos Matthew e Alexandra Reeve, e alguns episódios de ausência paterna relatados por Matthew. É quando o mito dá lugar ao homem.

“Super/Man: A História de Christopher Reeve” não é exatamente cinematográfico. Segue com retidão o formato de um documentário feito pela HBO (que produziu em parceria com a CNN). O lado emotivo é abraçado como trunfo para criar o registro biográfico definitivo do ator que melhor personificou o Superman no que ainda é indiscutivelmente o melhor filme de super-herói de todos os tempos. Por se tratar de uma das histórias mais comoventes do showbiz, não poderia ser contada de outro jeito, e os diretores foram hábeis em não deixar que fosse pelo caminho meramente lacrimoso, o que não quer dizer que não faça marejar os olhos do mais frio dos dcnautas. Junto com a série “Pinguim”, esse é o maior acerto da DC em 2024.

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