O Blaxploitation foi um subgênero cinematográfico que surgiu no início da década de 1970, ligado ao movimento de abertura de Hollywood e às mudanças politicas que eclodiam nos Estados Unidos. O termo, uma junção das palavras “preto” e “exploração”, foi cunhado em 1972 pelo jornalista Junius Griffin (1929-2005).
Era uma forma de extravasar, ser protagonista, e ir além. Um cinema que respondia ao seu tempo, com filmes que trazem negros indo além de coadjuvantes ou serviçais, agora como protagonistas, como heróis.
Durante a primeira metade da década, mais de 200 filmes foram lançados, produções que quebraram os estereótipos cinematográficos, em gêneros como o terror (Blacula , 1972), faroestes (Buck and the Preacher, 1972), comédia (Watermelon Man, 1970), drama (Baby Needs a New Pair of Shoes, 1974), e ação (Shaft, 1971).
Com atores e atrizes sendo desejados, que flertam, protagonistas que mergulham com a lei e a marginalidade. Vingança, raiva e humor descaradamente desatado, que pulsa ironicamente a discriminação na cara da sociedade norte-americana. Mas nada de reflexivo, apesar que hoje percebemos essa abordagem, o gênero, talvez contraditório, era essencialmente brincalhão.
Max Julien (1932-2022) foi um desses atores que também escreveu e produziu filmes desse subgênero étnico. Conhecido por atuar no clássico The Mack (1973); Goldie, um jovem cafetão ambicioso que enfrenta policiais corruptos e traficantes de drogas após sua libertação da prisão. Richard Pryor (1940-2005) interpreta seu ajudante, aumentando o apelo do filme. The Mack se tornou proeminente com artistas de hip-hop e rap usando amostras do áudio
Julien também teve papéis em vários outros filmes como Busca Alucinada, O poder negro, Mod Squad, À Procura da Verdade e o faroeste Thomasine & Bushrod, e também ajudou a criar a franquia Cleopatra Jones e é o que iremos tratar a seguir.
Cleopatra Jones
Cleopatra Jones (1973) foi lançado bem no meio do ciclo de blaxploitation e, portanto, exibiu muitos elementos do subgênero. O filme gira em torno da personagem Cleopatra “Cleo” Jones (Tamara Dobson), uma “agente especial” do governo dos Estados Unidos. Cleo foi um dos personagens mais duradouros da era blaxploitation.
O filme mostra Cleo confrontando uma traficante internacional (Shelly Winters) e a polícia corrupta. Como é o caso da maioria dos thrillers de espionagem após o sucesso dos primeiros filmes de James Bond, Cleopatra Jones pegou muito emprestado de 007. Obviamente, Cleo é uma agente especial que trabalha para minar o comércio de drogas nos Estados Unidos.
Como Bond, Cleo não é uma personagem furtiva que tenta se infiltrar no submundo perdendo sua identidade. Bond raramente tentava esconder sua identidade, muitas vezes usando seu nome verdadeiro, e todos os seus filmes contam com ele sendo reconhecido como 007.
Cleo também nunca se disfarça. Ela conta com sua extravagância e capacidade de ser reconhecida para atrapalhar os planos de seus inimigos. Como Bond, ela dirige um carro chamativo equipado com compartimentos ocultos que contêm metralhadoras e outras armas.
Com roupas escandalosas de Cleo, análogas ao guarda-roupa de playboy de Bond; seu vestuário denota a sexualidade de cada um, mas em graus diferentes. Enquanto Bond costuma usar roupas refinadas que denotam ser inglês e poder como homem, as roupas de Cleo a conotam como sexualmente ativa por meio de suas qualidades fetichistas
Cleopatra Jones e o Cassino de Ouro (Cleopatra Jones and the Casino of Gold, 1975) é outro excelente exemplo da influência de Bond. Aqui, a heroína foi enviada para localizar dois agentes governamentais negros que se passavam por compradores de heroína em Hong Kong.
Entram em contato com um traficante de drogas que está tentando assumir o comércio de drogas de Hong Kong. Mas a líder dos traficantes, Lady Dragon, acaba com a concorrência e sequestra os agentes, os hospeda em seu cassino, onde são mimados por suas escravas sexuais asiáticas, que também acabam sendo suas filhas adotivas.
Este fato, entretanto, não impede ela de ter cenas incestuosas de amor lésbico. Cleo escapa de várias armadilhas e eventualmente visit ao cassino da Dragon Lady, resgata os dois agentes e derrota a vilã.
A sex symbol dos anos 70, Stella Stevens, interpreta a vilã Dragon Lady
O filme reflete a influência de Bond de várias maneiras. A vilã também é conhecida como Mr. Big. Um título masculino que chama a atenção para o lesbianismo da personagem, mas também ressoa com a vilã tanto no romance quanto em 007 Viva e Deixe Morrer.
O próprio título lembra duas palavras frequentemente associadas a Bond. O ouro é usado nos filmes de 007 como um fator recorrente (Goldfinger, O Homem com a Pistola de Ouro, Goldeneye). Estranhamente, o ouro não desempenha nenhum papel na narrativa do Cassino de Ouro. É claro que os cassinos aparecem com regularidade na maioria dos filmes de Bond (incluindo o primeiro romance de Bond, Casino Royale).
Nos longas do espião, a mesa de jogo serve para demonstrar a inteligência, refinamento e sorte de 007. A Cleo, temos um intertexto com outros filmes de blaxploitation; o jogo é usado em todos os filmes como parte da “vida”, que mantém firmemente enraizada na tradição de caracterizações blaxploitation.
Mas Cleo não é simplesmente uma versção feminina e negra de 007. Embora os filmes de Cleopatra Jones tenham cooptado Bond, evitam uma fusão total de sua personagem com a de Bond. Indo além do simples empréstimos de ideias, mas também de uma crítica à ideologia de Bond em relação aos conceitos de nação, gênero e Guerra Fria.
A esta lista, adicionamos raça, como uma construção do subgênero para estabilizar a hegemonia branca em face das tensões nacionalistas globais e da crescente militância negra. Em muitos filmes a vilania é sempre a um membro de uma raça não anglo-saxônica.
E é isso que o roteiro crítica, revertendo a vilã, traçando ligações intertextuais diretas com Bond e, portanto, direciona as críticas de seus elementos racistas diretamente a Bond.
Resumindo, não temos um primor de roteiro nos dois filmes, mas há muita ação e ritmo, boas sequências de luta, com a deslumbrante Tamara Dobson no papel título e uma ótima exploração do tema dos filmes blaxploitation. Definitivamente, vale a pena redescobrir esses dois filmes e blindar a criação de Max Julien, que morreu recentemente.