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"Vice" conta de forma irônica e inteligente a vida do controverso Dick Cheney

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Sam Rockwell as George W. Bush in Adam McKay’s VICE, an Annapurna Pictures release. Credit : Matt Kennedy / Annapurna Pictures 2018 © Annapurna Pictures, LLC. All Rights Reserved.
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Durante seu discurso de agradecimento ao ganhar o Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia ou Musical, em janeiro de 2019, Christian Bale chocou muita gente ao agradecer a Satã por inspirá-lo na hora de criar sua composição para o protagonista de “Vice” (idem, EUA/2018), o ex-vice-presidente americano Dick Cheney. Bale também disse que foi escolhido para o papel por ter sido considerado ideal para viver no cinema um personagem sem carisma e insultado por todos.
Por incrível que pareça, quem for assistir ao filme, vai perceber que as declarações do astro faziam todo o sentido, já que Cheney é retratado como um homem frio, ambicioso e oportunista, que nunca desperta simpatia nas pessoas ao seu redor, tampouco no público que acompanha sua trajetória nesta cinebiografia que conquista tanto pela maneira encontrada para contar sua história quanto pelo talento de todo o elenco, que dá conta do recado com grande competência.

Inspirada em alguns episódios conhecidos da vida de Cheney, já que ele nunca permitiu muita abertura a respeito de suas origens (algo que, aliás, o filme brinca em certos momentos), a trama mostra como Dick Cheney (Christian Bale), sempre ao lado da esposa Lynne (Amy Adams), deixou de ser um jovem que só gostava de beber e causar confusão para, aos poucos, se embrenhar no mundo da política após ser “apadrinhado” por Donald Rumsfeld (Steve Carrell), durante a década de 1970. Assim, Cheney consegue uma vaga no Congresso e conquista cargos importantes, como Secretário de Defesa e Chefe de Gabinete da Casa Branca.
Até que, no início dos nos 2000, George W. Bush (Sam Rockwell) decide concorrer à presidência dos EUA e decide chamar Cheney para ser seu vice na chapa eleitoral. Ele aceita com a condição de poder cuidar de questões relacionadas à burocracia, ao Exército, às relações exteriores e até mesmo à energia. Com a vitória de Bush, Cheney arma uma série de esquemas junto com sua equipe para ter cada vez mais controle do governo americano, o que culmina em sua estratégia criada para lidar com a crise gerada com os ataques terroristas do 11 de setembro, ocasionando episódios controversos para a política americana.

Assim como em “A Grande Aposta”, seu filme anterior, o diretor Adam McKay se vale de uma dose generosa de fina e ácida ironia para contar a história de “Vice”. Por trabalhar dessa vez com os trâmites do poder, o cineasta (também autor do roteiro) consegue se comunicar melhor com o público, deixando o texto mais claro e objetivo, sem perder a crítica social nem o bom humor, já que muita gente ficou sem entender muito bem o que estava acontecendo no seu trabalho de 2015, simplesmente por não saber muito sobre questões econômicas mais complexas.
Mas o filme não oferece apenas isso. Há sequências brilhantes como o momento em que Cheney e seus companheiros resolvem escolher a quem culpar pelos ataques do 11 de setembro, durante um jantar. Ou o momento em que o diretor brinca com os clichês dos filmes dramáticos, que parecem ter sido feitos para arrancar lágrimas do espectador. O roteiro também conta com cenas muito inspiradas, como aquela que imagina um diálogo travado pelo casal protagonista como se fossem personagens de uma peça de Shakespeare.
Todo o filme é permeado com um humor bem inteligente que nunca parece perder o fio da meada e  bate pesado em seu biografado. E isso é um grande mérito de seus realizadores, que deixa claro que “Vice” não deseja nunca ser confundido com uma obra chapa-branca. A edição, no entanto, pode causar um certo desconforto por parecer um pouco desconexa em algumas partes da trama. Mas parece ter sido a intenção, já que o objetivo é manter a perturbação que o protagonista provoca com suas atitudes.

Além de Bale, realmente impressionante com sua entrega para compor Dick Cheney, a ponto de engordar vários quilos para tornar convincente o fato de que o peso excessivo deixa o personagem mais lento para se movimentar e falar (sempre com um olhar que parece perdido, mas na verdade maquiavélico com suas intenções), o elenco também se beneficia do grande talento de Amy Adams, que constrói sua Lynne como uma mulher dedicada ao marido e que, assim como ele, também sedenta pelo poder, sempre chamando a atenção quando está em cena. Sam Rockwell também se destaca ao mimetizar os trejeitos de George W. Bush e ajudando a deixar claro que o (agora ex) presidente americano não parecia possuir muito intelecto para comandar uma nação. Steve Carrell está competente como Donald Rumsfeld, mas não se destaca tanto quanto seus colegas.

Contando com uma impressionante equipe de maquiagem e cabelos, que ajuda a tornar a caracterização dos personagens ainda mais convincente, “Vice” é um verdadeiro tapa na cara da política americana ao mostrar que, na esfera maior do poder, há uma intrincada teia que é gerada por manipuladores que nem sempre sabem o que estão fazendo e nem sempre tomam decisões em favor do povo. Isso fica bastante claro nos créditos finais do filme, ao som de “America”, do clássico musical “Amor Sublime Amor”, que dá um sabor ainda mais especial à mensagem que McKay quer passar. Aliás, não deixe de ver a cena pós-créditos do filme, que tem tudo a ver não só com a política atual dos Estados Unidos como também do Brasil. Ou seja, além de entreter, a produção faz pensar (e muito) no contexto em que vivemos. E não é qualquer comédia que consegue esse feito nos dias atuais.

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