Vingadores: Era de Ultron certamente era um filme difícil de ser feito. Ele envolveu pelo menos 10 personagens que exigiram um tempo relativamente equiparável de cena, uma trama que deveria amarrar o que já foi contado em 10 filmes anteriores e ser um alicerce para pelo menos mais 10. Além de tudo isso, o filme ainda tinha que superar seu antecessor direto, atualmente a terceira maior bilheteria de todos os tempos. Por essas razões não poderia classificar o desafio de fazer esse filme de outra forma a não ser um feito homérico, e não é de se espantar que em grande parte “a Era de Ultron” acabou por desabar sobre seu enorme peso.
Sabemos que até dois meses atrás, Joss Whedon estava com um corte de três horas e vinte minutos para o filme, que foi drasticamente reduzido para o que foi lançado, um longa com 40 minutos a menos. Saberemos no futuro, quando a já confirmada versão do diretor chegar às lojas, se este novo tempo realmente fará diferença. É possível que uma boa parte dos defeitos apontados a seguir, sejam oriundos dessa decisão pelo corte, embora não tenhamos como saber realmente se o filme seria melhor com mais tempo para respirar.
Respiração é justamente o que mais faz falta ao filme. Ele já começa em velocidade máxima e só parece arredar o pé do acelerador em momentos muito súbitos, que não passam ao espectador um bom sentido de continuidade, transformando o filme em uma experiência análoga a andar de montanha russa. O ritmo do longa é de longe o seu maior equívoco, com cenas lentas que parecem se arrastar, justamente por sobreporem um filme que é o tempo todo corrido demais.
O desenvolvimento da trama e dos personagens é absolutamente raso, e Whedon não se preocupa em situar os não familiarizados com os filmes anteriores. Sabemos que a maioria dos Vingadores teve tempo de viver os seus conflitos existenciais durante os seus filmes solos, por essa razão parece haver algum tipo de foco maior nas questões ligadas a Viúva Negra, Hulk e o Gavião Arqueiro. O problema é que tirando Robert Downey Junior, outros atores como Chris Evans e Chirs Hemsworth parecem estar no piloto automático.
Uma breve narrativa
O filme começa como uma sequência direta aos eventos que vimos no seu antecessor e no Soldado Invernal, com a Shield inoperante e uma equipe de Vingadores financiada por Tony Stark. O grupo está em busca do cetro de Loki, roubado por uma célula da Hidra escondida nas montanhas de Sokovia. A arma secreta do Barão Von Strucker são os dois gêmeos Maximoffs que odeiam os Vingadores e se voluntariaram para experimentos que alteraram sua fisiologia.
O foco no início do filme é mostrar que os heróis se tornaram uma equipe bem fechada e unida, que sabe trabalhar junto e consegue ser objetiva. No entanto, a trama principal de “a Era de Ultron” tem o seu início depois da captura do cetro, quando Stark seguindo o seu sonho de trazer paz derradeira ao mundo acaba por criar um duplo maligno e psicótico.
Bruce Banner e Tony (que tem uma bela parceria como os dois cérebros dos Vingadores) percebem que a antiga arma de Loki, guardava o computador mais avançado que eles já viram, e que a mesma poderia ser a chave para colocar em prática um projeto dos sonhos: Ultron. Este seria o nome de uma inteligência artificial perfeita capaz de proteger o mundo de suas maiores ameaças.
As coisas não ocorrem como o esperado, e o ser que desperta decide que a única forma de proteger o mundo é acabando com os seres humanos. James Spader interpreta o vilão como uma criança mesquinha de Stark, e ainda que existam traços de qualidade em Ultron em algumas poucas falas boas (“Vocês querem proteger o mundo, mas se recusam a mudá-lo”) ele não parece ser uma ameaça digna ao segundo filme dos Vingadores.
Problemas com o antagonista e com a trama
Eu acredito que a coisa mais importante sobre um filme dos Vingadores é que ele possua uma ameaça grande o suficiente para juntar a equipe dos heróis mais poderosos da Terra. O Ultron nos quadrinhos certamente representa isso, apesar da idéia já estar batida, o vilão é uma personificação da noção moderna de singularidade tecnológica, onde a inteligência artificial terá superado a inteligência humana, alterando radicalmente a civilização e a natureza humana.
Ultron deveria ser uma entidade mais inteligente que os seres humanos, suas criações mais poderosas do que a armadura de Tony Stark, ou qualquer coisa que uma mente humana pudesse desenvolver, no lugar disso, temos robôs feitos de papel e incapazes de machucar um herói. A singularidade tecnológica é um tema absolutamente estudado e temido hoje em dia, e diversos filmes retrataram este momento com diferentes graus de sucesso, como Exterminador do Futuro e Matrix, a questão aqui é absolutamente ignorada e em momento algum Ultron demonstra ser mais inteligente que Tony ou Banner.
Outro problema sério decorre do uso incessante de piadas a todo o momento. Nenhum outro filme recorre a este recurso tanto quanto Vingadores 2, o que em grande parte acaba destruindo o clímax final. Todos os personagens parecem tão preocupados em fazer boas tiradas o tempo todo, que o perigo do antagonista nunca realmente é sentido. Os heróis não temem o Ultron, podemos argumentar que eles até parecem ter uma certa facilidade em lidar com ele, tendo no resgate de civis o seu maior desafio (uma clara crítica ao fraco “Homem de Aço” de Snyder).
Certamente o bom humor dos filmes da Marvel é bem vindo, mas em “a Era de Ultron” ele é tão onipresente que acaba atrapalhando.
Outro aspecto da trama que é apenas pincelado são as relações de familiaridade. A melhor coisa entre Ultron e Stark é que o vilão é uma versão distorcida de seu criador. No começo do filme ainda aparecem menções a este fato, Tony completa algumas sentenças que seu robõ viria a falar. E em uma cena excelente, Ulisses Klaw (bem interpretado por Andy Serkis) menciona para Ultron que ele está repetindo os pensamentos de Stark.
Antes da sequência final, Tony é avisado que ele é a pessoa que Ultron mais odeia no mundo, o mesmo pode ser dito dos gêmos Maximoff, mas o antagonismo de todos eles em relação ao Stark simplesmente desaparece a partir da metade do filme. Toda a questão paternalista, do criador e da sua criatura, tudo isso é solenemente ignorado em uma gigantesca cena de batalha que demora tempo demais e praticamente não apresenta momentos que toquem em temas um pouco mais profundos.
Os personagens
Hawkeye é o maior privilegiado neste filme, temos a impressão que Joss Whedon ficou com vergonha de o ter lobotomizado durante todo o primeiro Vingadores e decidiu o colocar em evidência. Jeremy Renner parece estar bem confortável no papel de olhar do espectador, parte do objetivo do filme é mostrar porque ele é uma parte importante da equipe. Um destaque vai para a frase “estamos em uma cidade voadora, enfrentado um exército de robôs e eu só tenho um arco e flechas, nada disso faz o menor sentido”.
Seguindo esta mesma tendência temos a Viúva Negra, outra personagem que não possui filme próprio, mas que parece estar em clara evolução desde sua introdução em Homem de Ferro 2. Neste filme ela começa a desenvolver uma relação romântica com Banner, que apesar de parecer um pouco forçada tem uma execução razoável e compreensível. O filme também revela um pouco da sua origem com agente Russa e no geral acaba privilegiando Natasha,
Fechando a fileira dos Vingadores que não possuem filmes próprios, temos o Hulk/Banner. Discutivelmente o personagem de maior evidência no primeiro filme da franquia, o gigante esmeralda acaba ficando um pouco apagado dessa vez. Hulk não parece ser a principal arma dos Vingadores, maneira pela qual ele foi tratado durante toda batalha de Nova York. Dessa vez temos um Banner, muito ciente de que ele é sempre um risco para civis, e que espera de forma relutante para atuar em missões que exijam um “código verde”. Sua relação de submissão ao Tony é um pouco interessante.
O próprio Stark tinha tudo para ser o absoluto protagonista do filme, já que toda a trama do mesmo gira em torno de sua criação. No lugar disso, vemos um Homem de Ferro que aparece de maneira moderada, e cujas relações de antagonismo com os vilões são subaproveitadas. Também é importante dizer que ele parece ter dado alguns passos para trás desde o fim de seu terceiro filme, onde teoricamente ele havia superado sua neurose e sua paranóia, dando um reinício a sua vida de herói com o coração no lugar certo.
Como mencionamos anteriormente, Thor e Capitão América acabam sendo relegados a papéis mais coadjuvantes do que seus companheiros de equipe. Steve Rogers continua sendo o mesmo personagem de ideais inflexíveis de todos os seus filmes, aparecendo mais como um estereótipo de si mesmo e sem qualquer tipo de desenvolvimento de personagem. Thor consegue estar ainda mais neutro, sem nenhum momento de relevância, pelo contrário, é ele quem sofreu os maiores cortes de edição, fazendo com que o personagem fosse premiado com uma jornada espiritual irrelevante para a trama principal do filme, e que acabou ficando muito confusa.
Os irmãos Maximoff têm o seu espaço no filme e conseguem marcar presença apesar da simplicidade das suas falas e do seu desenvolvimento (como diz Maria Hill, ele é rápido e ela é estranha). Pietro está muito semelhante em personalidade a sua versão dos quadrinhos e desempenha bem o papel limitado que ele recebeu. Wanda ganha um pouco mais de destaque, embora seus poderes estejam um tanto quanto alterados. Elizabeth Olsen não compromete a personagem, mas ela parece servir mais como um elemento para avançar a trama do que com alguém de carne e osso. Outro destaque negativo que podemos apontar é o sotaque falso empregado pelos gêmeos. O problema é acentuado quando o filme mostra cenas em que eles conversam um com o outro em inglês, ou com os demais cidadãos Sokovianos, um defeito que já havia ocorrido entre o “elenco” alemão do primeiro Capitão América.
Por fim temos Paul Betanny como o Visão, que apesar do pouco tempo de tela é sem sombras de dúvida um dos melhores personagens do filme. Sua interpretação do sintezóide mais querido dos quadrinhos é no ponto e impecável, misturando sabedoria e inocência de forma convincente e refrescante. O personagem também é tão diferente de todos os outros em tela, que sua presença se torna ainda mais forte quando ele está em cena.
Uma conclusão
Vingadores 2 é um filme raso, que tem cenas de ação demais para desenvolvimento de personagens de menos, quase todas as falas são tiradas engraçadas de uma linha só e o filme apresenta pouca ou nenhuma densidade. Apesar disso, ele ainda consegue ser uma experiência divertida no cinema. É um passo para trás quando comparado com outros filmes que a Marvel vem fazendo (Guardiões da Galáxia, por exemplo, dá um banho em Vingadores 2 enquanto mantém um tom geral muito parecido de comédia de ação).
Só podemos torcer que “a Era de Ultron” seja como Blade Runner, e tantos outros filmes, que só vieram a mostrar sua verdadeira força e qualidade no lançamento da versão do diretor.
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