Na divertida trilha sonora do recém-lançado “Super Mario Bros. – O filme” há desde clássicos do rock (como “Thunderstruck” do AC/DC e “Take on me”, do A-Ha) a uma canção original, composta e interpretada pelo ator Jack Black, que dubla o vilão Bowser na versão com vozes em inglês em um dos melhores momentos do filme.
Mas, tratando de som e Mario Bros, o que todos esperam é que toquem os temas musicais clássicos dos jogos da franquia – criadas por Koji Kondo para os games e que, no filme, são rearranjadas com uma orquestra pelo experiente compositor Bryan Tyler. Com 40 anos e aparições em mais de 200 jogos, a trilha sonora é uma das associações mais imediatas feitas pelo público com o personagem.
Neste ano, o Grammy Awards criou uma categoria dedicada exclusivamente às trilhas sonoras de videogames, em reconhecimento ao enorme impacto que os jogos e suas músicas exercem na cultura pop.
Roberto Tietzmann, professor de Comunicação da PUC-RS avalia que certas trilhas de games ficam conhecidas por três motivos:
- a capacidade em transportar emoções ao jogador,
- a repetição, devido ao alto número de horas que um jogador ouve a mesma trilha,
- o alcance – já que jogos de videogame muitas vezes vendem muito mais que álbuns.
“Um exemplo é a trilha do Tetris, criado a partir de um tema musical da Rússia. Como o Tetris vinha junto com todo mundo que comprou um Gameboy, e o console vendeu mais de 120 milhões de unidades, é como se um single tivesse sido distribuído junto com o jogo para essas milhões de pessoas”, diz.
Novos ‘standards’
Já o produtor musical Antônio Valoto faz uma comparação entre o cinema e os jogos de videogame para dimensionar o mercado.
“O cinema no século 20 moldou os ideais e ouvidos de uma geração e consolidou standards”. Standards são músicas referência na cultura popular como ‘Somewhere Over the Rainbow’ ou mesmo as músicas tema da série de filmes ‘Star Wars’.
Valoto prossegue: “A geração que cresceu com videogames então teve standards para chamar de seus. Os temas de ‘Zelda’ e de ‘Mario’, por exemplo, passam a ser genuínos representantes de uma cultura musical coletiva”.
Nesse universo com milhões de novos ouvintes, Thiago Adamo, professor da escola de formação de compositores de trilha de jogos, a Game Audio Academy, é enfático:
“Uma coisa muito clara para todo mundo que faz música de games é que a trilha sonora do ‘Mario’ é como se fosse um álbum clássico dos Beatles”.
Adamo destaca não só as melodias, como os efeitos sonoros das possibilidades interativas de Mario: o som que o jogo emite quando o protagonista conquista moedas, ou quando morre e a fase recomeça.
“As trilhas da maioria dos games até então eram muito infantis ou traziam influências mais mainstream. Sem dúvida a trilha do Mario influenciou uma série de outras trilhas no mundo inteiro e criou uma base fundadora para uma evolução musical nos jogos”, avalia o compositor de trilha de jogos.
Influência no pop
Lucas Silveira, vocalista da banda Fresno e gamer desde criança, entende que parte do diferencial da trilha de Mario é a capacidade de causar emoções mais complexas nos jogadores. “Na geração de jogos de Super Mario, o tema principal é usado em todo tipo de fase – feliz, perigosa, lenta, triste. É uma verdadeira aula de contraponto e de composição sinfônica. Eu amo demais”.
Lucas ainda avalia que trilhas clássicas de games estão na base de sua formação. “Essas trilhas foram meu primeiro contato com uma forma mais erudita de se compor. Eu jogava muito mais videogame do que ia ao cinema, por exemplo”, diz.
Para Adamo, a influência da trilha de Mario e dos videogames na música pop hoje vai do jazz de Thundercat, pelo house de Deadmau5 e até o rap do canadense Drake.
“Acredito que toda música eletrônica se influenciou muito por games e cita games em muitos momentos. Muitos produtores de hip-hop como os do Drake, usam na base músicas de game. Um exemplo é “6 God” que usa na base um tema de Donkey Kong”.
A respeitada série de livros americana sobre álbuns do cânone da música pop “33 1/3” entre grandes nomes do rock e do rap, dedicou uma edição à trilha do “Super Mario Bros”, de 1985, mesmo que a trilha inteira do jogo tenha cerca de três minutos na versão original para o console NES, ainda em 8 bits.
Limitação e genialidade
Parte da genialidade do compositor da trilha, o japonês Koji Kondo, fica mais evidente quando as limitações técnicas são explicadas: usando tecnologias incipientes e equipamentos capazes de produzir som apenas por 4 canais, sendo um deles apenas de ruído – para produzir música e efeitos sonoros.
Apesar de músico desde pequeno, Kondo tinha formação de programador. “Ele tinha um pé na programação e um na composição musical, o que significa que ele podia extrair o máximo dos recursos de hardware, tanto do videogame quanto das TVs”, explica Tietzmann
Ao mesmo tempo, Kondo foi influenciado pela cena japonesa da época
“O uso de sintetizadores estava em alta na música dos anos 80, e no Japão não era diferente. Por lá, gêneros como jazz fusion, electropop e city pop influenciaram bastante os compositores deste novo meio que eram os videogames”, diz Valoto.
E é nesse cenário que ele junta o pop japonês repleto de sintetizadores, em alta, com influências tão distintas como rock progressivo, música clássica, jazz tradicional e música latina que Konji Kondo criou um clássico que atravessa gerações e que a gente ouve cantarolando: dum-dum-dum-ba-dum-pum-PUM.
Reprodução: Artigo de Tiago Aguiar para o site G1.