Uma discussão de nome
Os RPGs e os jogos de estratégia sempre foram os meus dois gêneros favoritos na categoria dos vídeo-games, e tendo jogado muitos títulos excelentes nos últimos tempos me senti na obrigação de escrever um artigo sobre esse tema.
Primeiramente como alguém muito ligado em RPGs “de verdade”, e bastante focado em seu papel como jogo interpretativo, sempre tive um grande problema em aceitar a rotulação do gênero RPG para uma mídia limitada como o vídeo-game algo bastante estranho. Afinal o que efetivamente Final Fantasy apresenta em termos de interpretação de papéis? Em verdade nada.
Passamos a considerar como RPG qualquer jogo que em sua maioria apresentasse duas características: um foco maior na história (que hoje em dia perdeu completamente a exclusividade, quando temos histórias maravilhosas em todo tipo de gênero de games) e um sistema de evolução de características e experiência (que também perdeu a exclusividade nos últimos anos). Ou seja, o gênero, quando apresentado de forma abrangente é bastante vago e incapaz de se destacar. O problema principal, na minha opinião é a inclusão de JRPGs, ou seja RPGs asiáticos na mistura, que raramente tem alguma ligação com a idéia de interpretar um papel.
Na maioria dos “RPGs” vindos da Ásia não só somos obrigados a jogar com um personagem pré-definido, mas também a seguir uma história grandiosa (e muitas vezes repetida) linear e dramática, onde não temos efetivamente escolha do desenvolvimento da mesma. O que em minha opinião tira todo o valor desta experiência como RPG, ainda que, é importante frisar, não significa que isso torne o jogo ruim, muito pelo contrário, a Square Enix tem dezenas de jogos maravilhosos mas não significa que eles realmente deveriam ser chamados de RPG (e isso vale para quase todos os Final Fantasys, e para um dos meus jogos preferidos de todos os tempos Chrono Trigger).
A mesma reclamação já não pode ser dada para os ditos RPGs ocidentais, que geralmente contam em seu desenvolvimento com pessoas envolvidas ou experientes com o mundo do RPG “real” (quer dizer de papel). O resultado não é necessariamente de jogos melhores (ainda que eu os prefira), mas certamente dignos merecedores de serem chamados de RPG.
A palavra de ordem com este tipo de jogo é “escolhas”, ou “conseqüências”, além das duas características básicas mencionadas previamente, isto é, o foco na história e as ferramentas de evolução dos personagens. Na grande maioria dos ditos “Western RPGs”, temos um avatar que foi efetivamente construído por nós, muitas vezes até mesmo seu background, e o jogo muito mais do que tentar contar uma história bem fechada, tem como objetivo nos colocar na pele daquele personagem que criamos e o desenvolver, fazendo escolhas relevantes que alteram completamente o plot e acima de tudo desenvolvendo o personagem de forma crível.
E conforme os WRPGs vão se tornando mais sofisticados, mais forte se torna o fator interpretação. Recentemente viciado pela última safra de milagres pela Canadense Bioware, eu realmente me vi não apenas apaixonado pelos maravilhosos settings criados pela empresa (Dragon Age e Mass Effect) como verdadeiramente me encontrei interpretando um personagem. As minhas escolhas de fato não estavam sendo feitas baseadas nos benefícios ou facilidades que me ofereceriam intra-game e sim naquilo que eu acreditava ser coerente com os pensamentos do meu personagem. Esse tipo de questão representa um grande avanço para a versão gráfica dos RPGs e representa a primeira chance real de aproximação as coisas que realizamos em mesa (obviamente ainda faltam milhares de coisas para se equiparar em termos de interpretação, mas já é um início).
2009 em perspectiva
Tive a chance de jogar diversos games de RPGs no ano que se passou, e gostaria de registrar minhas impressões sobre dois dos mais impressionantes deles, um de cada hemisfério. O grande RPG ocidental do ano passado foi sem dúvida nenhuma Dragon Age: origins. Essa impressionante obra de arte, que toma mais de 50 horas em sua primeira ronda pelo jogo é absolutamente estonteante em sua envergadura. O cenário desenvolvido pela Bioware (que já conta com dois romances e um RPG de papel entre os bestsellers do ano) é sinceramente o mais interessante mundo de fantasia medieval que eu li há muito tempo, superando em muito coisas pífias como Forgotten Realms e até mesmo cenários excelentes como Dragon Lance (mas ainda é pior que Ravenloft e Tolkien, e Westeros se isso contar como fantasia medieval). O cenário de Dragon Age é (pasmem) coerente socialmente, com uma religião (a igreja de andraste) que efetivamente está em sintonia com o status social do mundo de Thedas.
Outro ponto muito forte de Dragon Age é a abrangência, você tem muitas opções e dezenas de horas de diálogos para ver todo tipo de conseqüência diferente. Nenhum playtrough é igual ao outro, e não é só o final que muda, cada pequena ação, muitas das mínimas quests que são lhe dadas apresentam conseqüências sérias. Os personagens são todos fantásticos e cativantes e você realmente parece desenvolver um relacionamento com cada um deles.
Em contra-partida, não há nada de muito diferente nas mecânicas de Dragon Age, fazendo dele um RPG bastante convencional nesse sentido, muito parecido com aqueles que lhe ante vieram (como Baldur’s Gate, KOTOR, Neverwinter Knights), mas verdade seja dita, a velha fórmula não parece atrapalhar em nada.
Como melhor JRPG do ano eu elegi Demon’s Souls, uma fantástica jornada em um sombrio mundo de fantasia medieval européia. Aqui ainda que a história sobre o declínio do Reino de Boletaria seja apresentada em segundo plano, ela é forte o suficiente para sustentar o jogo. Em Demon’s Souls você encarna uma alma presa neste reino amaldiçoado por demônios, uma espécie de inferno em todos os níveis, pois este jogo tem sido rotulado como o mais difícil da década e ele faz jus a esse tipo de propaganda.
Incrivelmente, ao contrário de boa parte dos típicos de JRPGs o jogo é bem aberto e suas escolhas mudam muito o gameplay, ainda que elas se limitem a modificar duas características, a sua moralidade, e a moralidade do mundo que você está no momento. Estas duas mecânicas já criam uma saudável vontade de retornar ao jogo uma vez terminado, fora a possibilidade de re-utilizar seu velho personagem para se aventurar nos cada vez mais difíceis reboots do jogo.
A grande engenhosidade de Demon’s Souls está em sua mecânica, absolutamente inovadora. Não só o sistema de combate é muito crível, letal e divertido, mas a forma como o jogo utiliza seus recursos online. É possível, ao longo das fases, interagir com outros jogadores que estão as jogando, assim como invadir seus mundos para ajuda-los ou combate-los, tudo de forma muito natural e coerente com a história de Boletaria.
Ainda sim, Demon’s Souls sofre um pouco do mal dos JRPGs, não existem muitas opções de diálogo, e nada perto de interpretação, o que não faz dele um jogo fantástico e muito desafiador. Acredito que como game, ele até possua mais méritos do que Dragon Age, que por mais maravilhoso que o produto da Bioware seja, não representa assim um salto tão gigantesco diante de seus predecessores, já Demon’s Souls é o melhor JRPG que joguei desde Chrono Trigger (há 15 anos atrás).
2010 e adiante
Ainda não tive muita chance de tocar além dos vislumbres rápidos e leituras da crítica nos dois pesos pesados do ano, de um lado temos Mass Effect 2 da Bioware, que ao que me parece estabelece um novo patamar do que chamar de game de RPG daqui em diante, nas terras orientais temos o esperado Final Fantansy XIII, que recebeu críticas mornas e que não parece nem ter uma história tão interessante nem ser muito inovador. Dito isto, eu chutaria que a empresa canadense detêm o melhor “candidato” esse ano, quer dizer, isso se agente fizer o esforço de continuar considerando JRPGs como RPGs ao invés de criar uma categoria nova para denominar este gênero que já produziu tantos jogos maravilhosos.
E verdade seja dita, não existe desenvolvedora de games de RPG que se compara a Bioware!